Nos últimos meses, um fenômeno incomum tem despertado a atenção dos mercados globais: o tradicional Flight to Quality — movimento em que investidores buscam ativos mais seguros em tempos de instabilidade — parece estar ocorrendo de forma inversa. Em vez de penalizar os países emergentes, como costuma acontecer, esses mercados têm sido poupados da fuga de capitais. O Brasil, curiosamente, figura entre os beneficiados, mesmo sem ter feito a “lição de casa” no campo fiscal.
Esse comportamento atípico se dá em meio a um cenário de elevada incerteza nas economias centrais. Nos Estados Unidos, o governo Trump encara dificuldades para aprovar medidas fiscais que contenham o insustentável avanço do déficit público. O impasse levou a um shutdown prolongado e à interrupção na divulgação de indicadores econômicos essenciais. A falta de clareza sobre o teto da dívida e o descontrole fiscal estão alimentando a desconfiança dos investidores, contribuindo para a desvalorização do dólar e estimulando a busca por alternativas fora dos tradicionais ativos norte-americanos.
Ao mesmo tempo, o Federal Reserve (FED) adota uma postura considerada precipitada ao reduzir juros antes de consolidar a meta de inflação de 2%. Essa decisão adiciona uma nova camada de instabilidade ao ambiente financeiro mundial. Sem uma estratégia econômica consistente de longo prazo, os Estados Unidos perdem parte da sua atratividade como destino de investimentos duradouros. Paralelamente, a taxa de juros de 15% no Brasil reforça o diferencial de retorno, ampliando o apelo do País no cenário internacional.
Na Europa, o euro continua longe de se firmar como substituto confiável do dólar, pressionado por baixo crescimento e por instabilidades políticas. O iuan, por sua vez, ainda carece da previsibilidade necessária para se consolidar como reserva global. Nesse vácuo de confiança, ativos tangíveis, como o ouro, ganham espaço, mas não conseguem absorver todo o capital em busca de refúgio.
É nesse contexto que os emergentes — tradicionalmente vistos como vulneráveis em períodos de crise — surpreendem. O Brasil, mesmo com uma política fiscal expansionista e sem avanços estruturais significativos, vem atraindo fluxos de capital. A instabilidade nas economias centrais e a escassez de alternativas seguras estão levando investidores a reavaliarem o risco dos emergentes, especialmente aqueles com mercados internos sólidos e liquidez satisfatória. No caso brasileiro, a fragilidade fiscal permanece evidente. A derrota da MP 1.303, que previa ajustes nas contas públicas, expôs as fragilidades do governo na hora de conter gastos. Já o Banco Central (BC) dispõe de pouco espaço para cortes expressivos na taxa Selic, diante de uma inflação ainda acima da meta. Mesmo assim, o Brasil se beneficia da saída de reservas do dólar, o que ajuda a conter pressões cambiais e a atrair investidores em busca de rendimentos mais elevados.
Outro fator relevante é a transformação do mercado de trabalho. A expansão da pejotização e a redução da judicialização das relações trabalhistas diminuem os custos de contratação e incentivam a demanda por mão de obra. Em paralelo, a oferta de trabalhadores cresce em ritmo menor, influenciada pelo aumento dos benefícios sociais. Esse descompasso pressiona os salários, mas sustenta o nível de consumo interno — componente essencial para a resiliência econômica.
A combinação entre a instabilidade nas economias desenvolvidas e a escassez de refúgios seguros leva investidores a revalorizarem o papel dos emergentes. O Brasil, ainda que sem promover ajustes fiscais consistentes, tem sido um dos principais beneficiados desse movimento. No entanto, é preciso cautela, pois o alívio pode ser temporário. Sem reformas estruturais e mais previsibilidade institucional, o País corre o risco de perder esse fôlego assim que o ciclo se inverter.













