Mais impostos, mais complexidade e menos autonomia dos Estados e municípios.
Vendida ao público como a solução para o caótico sistema tributário brasileiro, a Reforma Tributária, promulgada em 2025, carrega em seu texto promessas de simplificação e crescimento econômico. No entanto, uma análise mais profunda de seus mecanismos revela um futuro preocupante, marcado por um inevitável aumento da carga de impostos, um período de transição de complexidade assustadora e uma perigosa centralização de poder que ameaça a autonomia de estados e municípios.
A narrativa oficial celebra a extinção de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e sua substituição por um IVA - Imposto sobre Valor Agregado dual, composto pela CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços e pelo IBS - Imposto sobre Bens e Serviços, além de um IS - Imposto Seletivo. A promessa é de um sistema mais simples e transparente. A realidade, contudo, é muito mais amarga.
A narrativa da simplificação e o pesadelo da transição.
A suposta simplificação se desfaz ao se analisar o longo período de transição, que se estenderá de 2026 a 2033. Durante esses sete anos, as empresas brasileiras não lidarão com um sistema simplificado, mas sim com a sobreposição de dois modelos tributários. Na prática, o país conviverá com sete tributos simultaneamente: os quatro que estão sendo extintos e os três que estão sendo criados.
Isso forçará as companhias a manter duas contabilidades distintas e paralelas: uma para apurar os impostos no sistema antigo, que já é notoriamente caótico, e outra para o sistema novo, ainda desconhecido e cheio de incertezas. Essa dualidade resultará em uma "ampliação da carga de trabalho" e na necessidade de "adaptação tecnológica" complexa e custosa, exigindo ajustes em sistemas de gestão (ERPs) e treinamento massivo de equipes. O risco de erros fiscais e a insegurança jurídica serão a norma, não a exceção.
Aumento da carga tributária: quem paga a conta? A pergunta que ecoa no meio empresarial é: qual setor, de fato, teve redução de carga tributária? Enquanto a indústria pode se beneficiar modestamente com o fim da cumulatividade em cascata, o peso da nova estrutura recai de forma esmagadora sobre o setor de serviços, o maior motor da economia brasileira. Setores vitais como educação, imobiliário e locação enfrentarão um aumento brutal de impostos.
Serviços e educação: O setor de serviços, que hoje paga um ISS com alíquotas entre 2% e 5%, será submetido a uma alíquota de IVA estimada em 28%. Mesmo com regimes especiais, como o da educação, que prevê um desconto de 60%, a carga final (próxima de 11,2%) ainda é superior à atual. O problema estrutural, no entanto, é que o principal custo desses setores - a folha de pagamento - não gera créditos, tornando o aumento de impostos um custo líquido que será, inevitavelmente, repassado aos consumidores em forma de preços mais altos.
Setor imobiliário e locação: Este setor, que antes possuía uma tributação sobre o consumo praticamente inexistente, será um dos mais penalizados. A incidência de IBS e CBS sobre os aluguéis representa uma nova e pesada carga. Análises indicam que a tributação total para pessoas físicas com múltiplos imóveis, somando Imposto de Renda, IBS e CBS, pode chegar a impressionantes 35,9%. Para pessoas jurídicas, a carga média também salta, afetando diretamente o custo de moradia e de operação para empresas.
O supercomitê e o fim da autonomia federativa Talvez o aspecto mais alarmante da reforma seja a criação do Comitê Gestor do IBS. Este órgão, composto por representantes de estados e municípios, centralizará a arrecadação e a distribuição de todo o IBS do país, que substitui o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Com a justificativa de unificar a aplicação da lei, o Comitê se torna um "super poder" que retira a autonomia financeira dos entes federados.
Estados e municípios perderão o controle direto sobre a arrecadação de seus principais tributos, tornando-se dependentes de um repasse centralizado por um órgão federal. E aqui reside um dos pontos mais críticos e menos discutidos publicamente: a transição para a cobrança no destino, que justifica essa centralização, não levará apenas alguns anos, mas sim meio século. A mudança gradual da cobrança na origem (local de produção) para o destino (local de consumo) está prevista para ocorrer entre 2029 e 2078. Isso significa que, por 50 anos, (prorrogáveis por mais 20) o Comitê Gestor deterá o controle sobre a arrecadação e distribuição de recursos que hoje pertencem diretamente a 27 estados e 5.570 municípios. Durante esse longo período, prefeitos e governadores terão menos poder sobre suas próprias receitas do que um órgão centralizado em Brasília. A perda de autonomia não é temporária ou transitória; é uma realidade que se estenderá por gerações. Essa mudança não é apenas administrativa; é uma profunda e duradoura alteração no pacto federativo brasileiro, concentrando poder em Brasília e enfraquecendo drasticamente a capacidade de governos locais de responder às necessidades de suas populações.
Em suma, a reforma tributária, sob o véu da modernização, parece entregar ao Brasil um futuro de aumento de preços, maior complexidade para quem produz, e um perigoso desequilíbrio federativo. Os efeitos maléficos dessa estrutura podem custar caro à economia brasileira nas próximas décadas.


 
				  
				  
				  
				  
															











