Disfarçado sob o discurso da justiça tributária e sob o pretexto de corrigir distorções, o projeto de Lei 1087/25, que tributa lucros e dividendos acima de R$ 50 mil e que foi aprovado na Câmara no início de outubro, reforça a incapacidade do Estado brasileiro em compreender que desenvolvimento econômico não nasce de mais impostos, mas de um ambiente capaz de permitir que empresas cresçam, invistam e gerem empregos.
Dentro desse debate, há uma falsa equivalência utilizada pelo poder público ao explorar que a maioria dos países da OCDE realizam a cobrança em suas estruturas tributárias; no entanto, o que se perde de vista é que, via de regra, estamos falando ou de países com ambientes fiscais mais simples e menos onerosos ou de nações em que a qualidade dos serviços públicos responde às necessidades da população.
E o Brasil não cumpre nenhuma dessas alternativas. Assim, ao tributar rendimentos acima de R$ 50 mil mensais, o Governo dá um recado claro: a criação de riqueza é tratada como um privilégio a ser punido. E não se trata apenas de uma questão pontual, é uma sinalização política que vem de décadas.
Desde os anos 1990, a carga tributária brasileira saltou de cerca de 25% para mais de 34% do PIB em 2024, segundo dados do Observatório de Política Fiscal da FGV. O avanço foi contínuo, mas ganhou um impulso significativo a partir dos anos 2000, quando cruzou a fronteira dos 30%, e consolidou um modelo em que o Estado consome cada vez mais e entrega cada vez menos.
A comparação internacional é brutal. Enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, a carga sobre bens e serviços gira em torno de 4,4% do PIB, no Brasil, esse montante é o triplo: cerca de 15% do PIB.
Além disso, nos EUA, o custo da mão de obra é majoritariamente absorvido pelo setor privado em bases mais simples e previsíveis, enquanto nosso país soma ao peso tributário um emaranhado de encargos trabalhistas que figura entre os mais caros do mundo. Um estudo da rede internacional de Contabilidade e Consultoria UHY mostra, por exemplo, que, por aqui, o custo real de um funcionário é o maior entre 90 países avaliados. Logo, estamos falando de um fardo que desestimula contratações e empurra pequenas e médias empresas para a informalidade.
É nesse contexto que a nova tributação se insere: sobre um tecido produtivo já exaurido. O setor de serviços, responsável por mais da metade dos empregos formais no Brasil, será especialmente atingido, pois opera com margens menores e maior dependência de capital humano. Empresas enquadradas no lucro presumido — um dos regimes que sustenta o empreendedorismo de médio porte no país — terão de escolher entre reduzir quadro, cortar investimento ou elevar preços, todos os caminhos igualmente danosos à economia real.
A retórica oficial insiste em que o objetivo é “corrigir desigualdades” e “harmonizar o sistema tributário”, mas ignora que a desigualdade brasileira nasce muito mais da ineficiência do gasto público do que da isenção de dividendos. Enquanto o Estado brasileiro mantém privilégios, amplia subsídios setoriais e acumula despesas fora da meta fiscal — quase R$ 400 bilhões, segundo dados do IFI (Instituição Fiscal Independente) —, transfere a conta para quem produz e arrisca.
Nos anos 1990, o país ainda buscava um equilíbrio: era um tempo de reformas estruturais, de contenção inflacionária e de um discurso pró-mercado. Nos anos 2000, o aumento da arrecadação foi vendido como “modernização fiscal”. Nos anos 2010, transformou-se em mecanismo de sobrevivência orçamentária. Agora, nos anos 2020, o que se vê é um Estado voraz, que confunde justiça com confiscos e política econômica com voluntarismo arrecadatório.
E a cada novo tributo, renova-se o mesmo ciclo de paralisia: o Estado cresce, o investimento encolhe, a produtividade cessa e o contribuinte é empurrado para o limite. A verdade é que o país não precisa de mais impostos, mas de um governo capaz de fazer mais com o que já tem. A diferença entre as nações que prosperam e as que definham não está na voracidade fiscal, mas na inteligência de quem compreende que a riqueza coletiva nasce do incentivo ao desenvolvimento, e não da sua asfixia.














