A discussão em torno da Distribuição Disfarçada de Lucros (DDL) ganhou nova força com o Projeto de Lei nº 1.087/2025, que pretende reinstituir a tributação dos dividendos. Desde a edição da Lei nº 9.249/1995, que isentou os lucros distribuídos, a aplicação prática do instituto perdeu relevância, já que não havia mais vantagem em disfarçar pagamentos, e com a retomada da incidência o tema volta a ser atual, pois abre espaço para novas formas de remuneração indireta de sócios.
Na concepção de Schoueri, a DDL se caracteriza quando a sociedade concede vantagens patrimoniais a seus sócios em condições distintas daquelas que seriam oferecidas a terceiros em uma relação de mercado regular. Trata-se, portanto, de evitar que escolhas de gestão empresarial sirvam como instrumentos para transferir lucros disfarçados, comprometendo a transparência fiscal.
Esse risco torna-se ainda mais relevante em contextos de maior tributação, nos quais cresce a tendência de reorganização das práticas empresariais. Nessas situações, é comum observar tanto a criação de estruturas de planejamento mais agressivas quanto o uso de contratos destinados a mascarar a efetiva distribuição de resultados. No Brasil, marcado pela complexidade normativa e pela instabilidade interpretativa, esse ambiente encontra terreno fértil para disputas frequentes e autuações muitas vezes contestadas.
Esse cenário revela que a discussão sobre a DDL não se limita ao aspecto arrecadatório, mas envolve também a função distributiva e a coerência do sistema. Ao penalizar de forma mais intensa justamente as pequenas e médias empresas, o projeto corre o risco de desestimular a formalização e a adoção de práticas transparentes, e em contrapartida empresas de maior porte, com acesso a consultorias e estruturas de planejamento mais sofisticadas, tendem a encontrar caminhos para mitigar os efeitos da nova carga. A desigualdade, portanto, não decorre apenas da incidência do tributo, mas também da assimetria de recursos e de estratégias disponíveis aos diferentes contribuintes.
O projeto de lei traz ainda uma fragilidade conceitual que merece atenção. Como observa Scaff, ele não distingue “o que é remuneração de capital do que é remuneração do trabalho, embora, nos dois casos, sejam batizados de dividendos”. Essa ausência de delimitação gera insegurança, pois a uniformização de conceitos é requisito indispensável para que as normas tributárias cumpram seu papel com clareza e efetividade.
Alcides Jorge Costa recorda que, antes da consolidação do Estado de Direito, vigorava o chamado Estado de Polícia, no qual predominava a concepção de que o patrimônio público era algo próprio do Fisco, dotado de personalidade autônoma e submetido às mesmas regras jurídicas aplicáveis aos particulares. Com a afirmação do Estado de Direito, essa lógica se transforma: o Fisco deixa de ser visto como entidade independente e o Estado passa a atuar de forma una, submetendo o patrimônio público ao regime do direito público, em que prevalece a supremacia do interesse coletivo sobre o interesse privado.
Além das críticas pontuais, há um pano de fundo importante: a proposta surge em meio a transformações profundas na tributação do consumo, criando um ambiente de dupla incerteza. Empresários e investidores enfrentam mudanças simultâneas que afetam a estrutura do sistema tributário em suas bases mais relevantes, e não havendo clareza, o resultado pode ser a retração da atividade econômica, em vez de seu fortalecimento.
Um aspecto pouco debatido, mas crucial, é o impacto cultural da medida, pois a forma como os sócios enxergam a distribuição de resultados pode mudar, incentivando práticas menos transparentes. O que antes era registrado formalmente como dividendos pode se transformar em arranjos contratuais ou vantagens indiretas, mais difíceis de fiscalizar e de avaliar sob o ponto de vista da legalidade.
Outro desafio é a necessidade de alinhar a norma à realidade empresarial brasileira. O país possui forte presença de sociedades familiares e negócios de pequeno porte, nos quais a separação entre patrimônio pessoal e empresarial ainda é frágil, assim, a aplicação rígida da DDL nesse contexto pode gerar distorções, pois operações legítimas de apoio entre sócios e empresas correm o risco de serem requalificadas como distribuições disfarçadas. Sem critérios claros, há o perigo de que práticas corriqueiras, que sustentam a sobrevivência desses empreendimentos, sejam tratadas como abusivas, criando insegurança e desestímulo à formalização.
Também não se pode desconsiderar a capacidade operacional do fisco. O conceito de DDL é naturalmente aberto e exige grande preparo técnico para ser aplicado com equilíbrio, e se houver divergências entre interpretações de delegacias e auditores, o resultado prático será o aumento da sensação de insegurança e a multiplicação de litígios.
O PL nº 1.087/2025 recoloca a DDL como peça central no debate tributário, mas não basta reviver um instituto: é preciso aplicá-lo de forma calibrada. A experiência mostra que regras abertas demais favorecem tanto planejamentos abusivos quanto autuações arbitrárias, dependendo o equilíbrio de normas claras, de uma atuação fiscal moderada e de incentivos à transparência empresarial.
Se isso não ocorrer, o projeto pode produzir efeitos contrários ao esperado: em vez de promover justiça fiscal, ampliar desigualdades; em vez de trazer eficiência arrecadatória, aumentar a litigiosidade; e em vez de fortalecer a segurança jurídica, aprofundar a instabilidade. A reativação da DDL só terá sentido se for capaz de se transformar em um mecanismo de equilíbrio e previsibilidade, e não em mais um capítulo de insegurança no já sobrecarregado sistema tributário brasileiro.













