x

ARTIGO PREVIDENCIÁRIO

A relevância do Protocolo de Gênero instituído pelo CNJ e a justiça social

Decisões recentes mostram que o Protocolo de Gênero do CNJ está transformando a análise de provas no INSS e garantindo aposentadorias antes negadas por invisibilizar o trabalho das mulheres no campo.

  • compartilhe no facebook
  • compartilhe no twitter
  • compartilhe no linkedin
  • compartilhe no whatsapp
A relevância do Protocolo de Gênero instituído pelo CNJ e a justiça social

A relevância do Protocolo de Gênero instituído pelo CNJ e a justiça social

A concessão de benefícios previdenciários passou a contar com nova diretriz provocando novo olhar na jurisprudência previdenciária, notadamente na acomodação da "falta de provas documentais" em reconhecimento de desigualdades históricas.

Isso porque o Poder Judiciário, tem se valido do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pela Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 492/2023 e avançado no problema da invisibilidade do Trabalho Rural Feminino.

É notório que, historicamente, o sistema previdenciário e judicial brasileiro foi construído sob uma ótica masculina e urbana, no campo sempre vigorou a divisão de gênero do trabalho, onde ao homem se atribuído o papel de "produtor" e chefe de família, sendo o titular das notas fiscais, das escrituras da terra e dos contratos e à mulher se atribuiu o espaço doméstico, sendo seu trabalho na roça muitas vezes visto apenas como "ajuda" ou extensão dos afazeres do lar, e não como atividade econômica.

Nesse contexto o Protocolo do CNJ assumiu relevância ao destacar que essa divisão cria uma hierarquia onde o trabalho masculino é valorizado e o feminino é invisibilizado, gerando imensa dificuldade para a mulher comprovar o tempo de serviço necessário para se aposentar.

Recente decisão da 2ª Vara Federal de Guarapuava/PR, que concedeu aposentadoria a uma idosa rural, tendo o Protocolo de Gênero como verdadeira lente de correção para essa distorção.

Cabe enfatizar que referido Protocolo do CNJ não criou novidade legal, apenas gerou espécie manual de orientação aos magistrados, para quando interpretarem a legislação vigente, o façam considerando essas desigualdades.

No aspecto do Direito Previdenciário, o documento traz orientações como: a) flexibilização da prova, no sentido de que a ausência de documentos em nome da mulher não deve impedir o benefício, e o judiciário deve aceitar documentos em nome do cônjuge (como notas de produtor) como prova extensível à esposa; b) valorização da prova testemunhal que assume peso relevante para mulheres rurais que não possuem rastro documental formal devido à informalidade do campo e ainda c) interseccionalidade  indicando aos julgadores que considerem não apenas o gênero, mas a classe social e a raça, já que mulheres negras e pobres no campo enfrentam barreiras duplas ou triplas de acesso à documentação.

O caso recente noticiado pelo TRF4 ilustra perfeitamente a aplicação dessa teoria. Uma trabalhadora rural teve seu pedido negado administrativamente pelo INSS por falta de provas materiais contemporâneas.

Ao analisar o caso, a juíza federal Cristiane Maria Bertolin Polli aplicou o Protocolo de Gênero para reverter a negativa, tendo a decisão observado o contexto de vulnerabilidade envolvida, e com isso considerou que a autora era mulher, analfabeta e arrimo de família, condições que historicamente dificultam a formalização do trabalho. 

Assim, a magistrada aceitou a prova emprestada do marido (falecido) para quem o INSS já havia reconhecido a aposentadoria rural, admitindo sua condição de segurado especial, utilizando documentos como a certidão de casamento (de 1949) e nascimento dos filhos para provar que, se o marido era lavrador, a esposa, por consequência da dinâmica familiar rural, também laborava na terra.

A sentença de Guarapuava ainda reconheceu que exigir documentos em nome da mulher, quando culturalmente apenas o homem os possui, seria uma "discriminação indireta".

Outra decisão ocorrida na 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), por maioria, deu provimento à apelação interposta pela parte autora (processo nº 1006214-63.2021.4.01.9999), na qual se pleiteava a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. Neste processo a desembargadora federal Luciana Pinheiro Costa, relatora do voto majoritário proferiu julgamento sob a perspectiva de gênero, considerando o trabalho doméstico da mulher como integrado ao conceito de economia familiar, caracterizando uma mãe lavradora como segurada especial e permitindo o reconhecimento do direito à aposentadoria por idade rural.

A magistrada ressalta que, na época dos fatos, a legislação exigia que apenas o trabalhador rural considerado chefe ou arrimo de família tivesse direito à aposentadoria (art. 4º, parágrafo único, da Lei Complementar nº 11/1971 e art. 297 do Decreto nº 83.080/1979). No entanto, a jurisprudência atual entende que essa exigência fere o princípio constitucional da isonomia, mesmo em relação a períodos anteriores à Constituição de 1988.

A desembargadora do TRF6 também enfatizou que em documentos oficiais, era comum a mulher ser identificada como “do lar”, mesmo quando trabalhava no campo junto ao marido, qualificado como “lavrador”. Assim, o marido podia ter vínculo formal registrado em carteira, a mulher, apesar de realizar as mesmas atividades no mesmo contexto rural, permanecia sem registro, invisibilizada pelo sistema. Tal contexto, reforça a importância da extensão subjetiva da prova material, uma vez que, as mulheres sequer cogitavam a possibilidade de requerer benefício previdenciário, que era voltado ao chefe da família.

A iniciativa do CNJ ao orientar o Judiciário, com referido protocolo, a não ser neutro diante de um mundo desigual, se coloca acima de discussões sobre ativismo judicial, e revela valioso movimento de igualdade substantiva.

Fonte: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=29731

Leia mais sobre

O artigo enviado pelo autor, devidamente assinado, não reflete, necessariamente, a opinião institucional do Portal Contábeis.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS

ARTICULISTAS CONTÁBEIS

VER TODOS

O Portal Contábeis se isenta de quaisquer responsabilidades civis sobre eventuais discussões dos usuários ou visitantes deste site, nos termos da lei no 5.250/67 e artigos 927 e 931 ambos do novo código civil brasileiro.

Utilizamos cookies para ajudar a melhorar a sua experiência de utilização. Ao utilizar o website, você confirma que aceita a sua utilização. Conheça a nossa política de utilização de cookies

1999 - 2025 Contábeis ® - Todos os direitos reservados. Política de privacidade