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ARTIGO TRABALHISTA

Trabalhar em 2025: progresso para quem, risco para quem?

Uberização, pejotização, jornadas e combate ao trabalho escravo marcaram o ano; decisões do STF e mudanças legais revelam quem realmente controla o tempo e os direitos dos trabalhadores.

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Trabalhar em 2025: progresso para quem, risco para quem?

Trabalhar em 2025: progresso para quem, risco para quem?

Em 2025, o Direito do Trabalho deixou de ser assunto de “gente de Justiça” e passou a aparecer na conversa do motorista de app, da vendedora de loja, do pai em licença, da pessoa contratada como PJ e do dono de pequena empresa. Foi um ano de briga aberta entre flexibilidade e proteção, inovação e precarização, segurança jurídica e efetividade dos direitos. Nada ficou exatamente no mesmo lugar: plataformas digitais, jornada, férias, licenças, combate ao trabalho escravo e decisões do Supremo foram jogados no mesmo tabuleiro, obrigando todo mundo a olhar com mais cuidado para o que significa, na prática, viver de trabalho no Brasil.

Um dos grandes eixos desse ano foi a chamada uberização. Motoristas e entregadores de aplicativo seguiram fazendo a mesma pergunta: afinal, sou autônomo ou empregado? O Supremo Tribunal Federal colocou esse tema no centro do palco ao pautar o julgamento sobre o vínculo de emprego desses trabalhadores, sabendo que a decisão vai irradiar para milhares de processos no país inteiro. Enquanto isso, o Congresso tenta criar a figura do trabalhador de plataforma: alguém que não é exatamente um empregado celetista tradicional, mas também não é um autônomo “livre” como a retórica costuma prometer. Fala-se em garantir renda mínima, contribuição para a Previdência, alguma proteção básica, sem engessar por completo a flexibilidade de horários. No papel parece um meio-termo elegante; na vida real, permanece a pergunta incômoda: se a pessoa depende daquela plataforma para sobreviver, segue regras rígidas de tarifa, avaliação, bloqueio e é “desligada” por decisão unilateral, faz sentido tratá-la como pequena empresária de si mesma?

No mesmo pacote de tensões está a pejotização. Milhares de pessoas seguem abrindo CNPJ não porque sonham em empreender, mas porque essa é a condição colocada para manter o trabalho. Assinam contrato como pessoa jurídica, mas vivem rotina típica de empregado: horário, subordinação, exclusividade, metas, cobrança. Em 2025, o Supremo decidiu suspender, em âmbito nacional, todos os processos que discutem a licitude desse modelo, à espera de uma decisão definitiva. Para empresas, a suspensão soa como um alívio: menos risco de decisões contraditórias e mais previsibilidade. Para trabalhadores, sindicatos e parte da doutrina, acende um alerta: não estamos correndo o risco de normalizar um sistema em que a carteira assinada vira exceção, o CNPJ vira regra e os direitos se tornam um luxo? No fundo, a pergunta mais honesta é outra: quantos desses PJs, se pudessem escolher sem medo de perder a renda, optariam por um emprego formal?

O tempo também entrou em disputa em 2025: tempo de trabalhar, de descansar e de cuidar da família. A licença-paternidade, por décadas tratada como quase simbólica, começou a ser levada a sério. Avançou na Câmara a ideia de ampliar o período de cinco para vinte dias, em etapas, reforçando a mensagem de que cuidar de um recém-nascido não é “ajudar” a mãe, é exercer a parentalidade. Ao mesmo tempo, a discussão sobre ampliar a licença-maternidade para 180 dias voltou ao debate público. Nada disso está totalmente resolvido, mas o tema saiu da gaveta e passou a ocupar espaço em agendas sindicais, empresariais e governamentais. É curioso observar como um país que repete o discurso de que “família é prioridade” ainda concede tão pouco tempo, por lei, para cuidar dela no momento mais delicado da vida de uma criança.

A jornada semanal também voltou ao centro da conversa. Tramitam projetos para reduzir o teto de 44 para 40 horas semanais, e o próprio Ministério do Trabalho declarou que o Brasil já teria condições econômicas de fazer essa transição, lembrando que muitas categorias, via negociação coletiva, já operam com 40 horas há anos. Mas o debate não é só sobre números. Fala-se em formato: manter a velha escala 6x1, com apenas um dia de descanso, migrar de forma mais ampla para o 5x2, ou até experimentar, em alguns setores, a semana de quatro dias. Diante de tanta evolução tecnológica e aumentos de produtividade, a provocação é inevitável: faz sentido continuar organizando o tempo de trabalho como se estivéssemos na década de 70, com jornadas extensas, longos deslocamentos e pouco espaço para descanso, saúde mental e vida fora da empresa?

O tema dos feriados ilustra bem a disputa por esse tempo livre. Em 2025 passou a valer, de forma mais efetiva, a exigência de negociação coletiva para o trabalho no comércio em feriados. Não se proibiu ninguém de abrir as portas, mas se recolocou na mesa a necessidade de combinar regras mínimas de jornada, remuneração e folgas com o sindicato. Muitos empresários reagiram dizendo que isso engessa o negócio; trabalhadores e suas entidades viram aí uma chance de reequilibrar minimamente a relação, lembrando que feriado não é apenas um dia “bom para vendas”, é também – e principalmente – um dia de descanso e convivência. No fundo, o ponto sensível é outro: quem define quanto vale o seu tempo livre? E com que grau de participação você, trabalhador ou trabalhadora, tem nessa decisão?

Enquanto isso, o STF consolidou de vez seu protagonismo no campo trabalhista. Uma das decisões mais impactantes do ano foi a que limitou a inclusão, na fase de execução, de empresas que não foram rés no processo desde o início, mesmo que façam parte do mesmo grupo econômico. A mensagem é que o trabalhador deve apontar, já na petição inicial, todas as empresas que quer ver responsabilizadas pelo crédito trabalhista. Para o mundo empresarial, isso é segurança jurídica na veia: nenhuma empresa quer descobrir, na última etapa do processo, que terá bens penhorados em um caso do qual nunca participou. Para o trabalhador comum, o cenário é bem diferente: como, sem acesso a estruturas complexas de informação, alguém que ganha pouco e mal conhece a estrutura societária do empregador vai saber quem são todas as empresas por trás da marca? Ao exigir um grau de sofisticação jurídica na largada, corre-se o risco de transformar a regra em obstáculo concreto à satisfação do crédito. Fica a pergunta: quando celebramos “segurança jurídica”, estamos olhando só para a empresa ou também para quem teve o direito violado?

Outro conjunto de discussões no Supremo diz respeito ao acesso à Justiça do Trabalho depois da Reforma de 2017. A Corte vem sendo chamada a dizer quem efetivamente pode ter gratuidade, em que condições o trabalhador terá de pagar honorários periciais e sucumbenciais, e se basta a declaração de hipossuficiência para isentá-lo de custas. Dependendo de como essas peças forem rearranjadas, a Justiça do Trabalho pode se tornar mais ou menos acessível justamente para a população que mais depende dela. Em um país em que a maioria só procura o Judiciário quando a situação já é dramática, encarecer o caminho pode ser, na prática, um jeito elegante de mandar as pessoas voltarem para casa sem solucionar o conflito.

Nada, porém, expôs tanto as contradições do ano quanto o debate sobre trabalho análogo à escravidão. Em 2025, o Brasil continuou resgatando pessoas de condições degradantes em fazendas, carvoarias, obras, casas de família e outros ambientes. Em um extremo da economia discutimos modelos refinados de trabalho por aplicativo; no outro, lidamos com trabalhadores dormindo em alojamentos insalubres, comendo mal, endividados e ameaçados. O estopim da polêmica foi a decisão do Ministério do Trabalho de anular uma fiscalização que havia reconhecido situação de trabalho escravo e retirar a entidade envolvida da “lista suja”. Uma atuação rara, que acendeu uma luz vermelha entre auditores fiscais, Ministério Público do Trabalho e entidades especializadas. Para a pasta, tratava-se de corrigir equívocos, revisar critérios, evitar injustiças. Para quem atua na ponta, soou como esvaziamento da autonomia técnica e sinal perigoso de que, em certos casos, a política pode falar mais alto que a legislação e as evidências colhidas em campo.

Esse episódio gerou reações duras, pedidos de exoneração de chefias na fiscalização e até a ameaça de paralisação nacional de operações de combate ao trabalho escravo. A tensão revela algo desconfortável: leis bem escritas e sistemas sofisticados, como a própria “lista suja”, não se sustentam sozinhos se não houver uma decisão política clara de apoiar quem fiscaliza. E a pergunta que fica é direta: quando a autoridade máxima da área intervém para reverter uma autuação de trabalho escravo, qual recado chega aos demais empregadores? De tolerância zero ou de que, com a articulação certa, dá para “negociar” até o que deveria ser inegociável?

No fim, o balanço de 2025 no Direito do Trabalho é tudo, menos morno. Uberização e pejotização escancararam o debate sobre quem é, de fato, trabalhador neste século. As discussões sobre jornada, descanso e licenças mostraram que a verdadeira moeda em disputa é o tempo: quem controla o tempo de quem. As decisões do Supremo reforçaram que a expressão segurança jurídica pode significar coisas muito diferentes dependendo do lado do balcão em que você está. E a polêmica em torno do combate ao trabalho escravo lembrou, de forma incômoda, que ainda falhamos no básico: garantir dignidade mínima para todos.

Isso não é um debate abstrato. Se você pede comida por aplicativo, trabalha no comércio, é gerente PJ, tem filho pequeno, é pequeno empreendedor ou cogita entrar com uma ação trabalhista, tudo isso te atinge de algum jeito. 2025 deixou uma mensagem clara: ou o país discute seriamente como quer organizar o trabalho – com menos slogans e mais honestidade sobre quem ganha e quem perde em cada mudança – ou vamos continuar empilhando remendos que funcionam bem para poucos e mal para muitos. O elemento provocativo está justamente aí: por trás de cada “flexibilização”, de cada promessa de “modernização” e de cada apelo à “segurança jurídica”, há escolhas políticas concretas. E 2025 apenas escancarou que essas escolhas já não cabem mais apenas na mão de especialistas e gabinetes; elas têm de ser entendidas, questionadas e apropriadas por quem vive, todos os dias, do próprio trabalho.

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