Sobre o assunto
privatização de bancos estaduais, federalizados ou não, algumas indagações são
quase que imediatas: quanto que a sociedade brasileira pagou para sustentar a
ineficiência dos Bancos Estaduais? A pergunta se refere tanto ao tempo em que
tais bancos, ainda funcionavam e tanto quanto custou para privatizá-los.
Realmente a sociedade pagou um preço muito alto para livrar o Brasil da situação
de refém dos governadores, naquela confusão insana que a maioria deles fazia
entre o que é um banco de fomento e o que é um banco comercial. Um banco
comercial precisa captar os recursos, casar os prazos, casar as moedas de
captação e pagar taxas inferiores às taxas das aplicações que ele banco vier a
fazer. Um banco de fomento, nem sempre. Lembrando: há cerca de 5 anos, o Banco
do Brasil precisou de um aporte de capital de cerca de R$ 8,0 bilhões para não
ser liquidado. Até 2002, ocorreram 12 leilões de privatização envolvendo bancos
estaduais e bancos que tiveram que ser federalizados, estes leilões
proporcionaram US$ 6,2 bilhões de receita, mas este valor não é o ganho
principal, o ganho principal é o quanto eles, os bancos privatizados, deixaram
de "sangrar" os cofres públicos, caso eles ainda estivessem como bancos
estaduais. Podem apostar, o valor do que se deixou de gastar é muito, muito
elevado. Hoje, paradoxalmente, todos os bancos privados que apostaram no Brasil
e compraram em leilões os bancos estaduais (alguns, até já renovaram os
contratos) estão de certa forma ameaçados, isto porque os mecanismos legais
criados à época, visando propiciar atratividade para os eventuais compradores,
não estão sendo considerados, posto que desrespeitam a intenção do legislador da
época. Os juízos atuais contemplam situações que nos permitem concluir que os
acionistas de um banco privado que autorizaram a compra de um banco oficial não
estão seguros, isto porque, as normas criadas vêm sendo objeto de
questionamento, onde os atrativos que permitiram a compra, são hoje questionados
como inconstitucionais. Uma das normas criadas foi a Medida Provisória 2192 de
agosto de 2001, seguidamente reeditada até hoje. A MP2192 é, na verdade, uma
espécie de reedição da MP1514 de agosto de 1996, valendo registrar também que
esta MP1514 foi a norma precursora do PROES. A MP 2192 estabelece alguns
mecanismos objetivando incentivar a redução da presença do setor público
estadual na atividade financeira bancária. Os "mecanismos" da MP2192 propunham
resolver uma situação, à época, medonha para o Brasil, isto porque os bancos
oficiais estaduais apresentavam: (1) elevados custos administrativos,
comparativamente à capacidade de gerarem receita, (2) absoluta ausência de
investimentos pelos governadores para acompanhar o avanço tecnológico dos bancos
privados concorrentes e finalmente, (3) ativos de pouca ou nenhuma qualidade
caracterizados como de difícil liquidação. Vários dos "mecanismos" da MP, são na
verdade atrativos para a venda, um dos atrativos refere-se à administração das
disponibilidades de caixa dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, dos
órgãos ou das entidades do poder público e empresas por eles controladas, até o
final do exercício de 2010". Qual foi a intenção do legislador com este
atrativo? As disponibilidades de caixa das entidades do poder público,
transformam-se, na verdade, em depósitos à vista para os bancos, os quais, por
sua vez, as transformarão em aplicações também de curtíssimo prazo (aplicações
interfinanceiras de liquidez e/ou títulos e valores mobiliários livres). Ora, o
quê o legislador, desde 1996 com a MP1514 e depois em 2001, com a MP-2192,
queria? Atrair ou afastar potenciais compradores? Hoje, se questiona que a
constituição proíbe os depósitos de disponibilidades em bancos não oficiais e
que o parágrafo respectivo da MP-2192 é inconstitucional. Mas foi o texto deste
parágrafo, enfatizado desde 1996 em seguidas medidas provisórias que contribuiu
incisiva e decisivamente para a venda de 12 instituições bancárias. As
instâncias judiciais parecem não estar considerando este fato.Um outro atrativo
para se vender os bancos, tanto os bancos estaduais, quanto os bancos estaduais
federalizados, é a pretensa exclusividade do crédito da
folha de pagamento dos
servidores públicos nas contas correntes do banco comprador. Sobre este
atrativo, entendem "os contras" que, além das já batidas questões de
inconstitucionalidade, usa-se também o argumento de que os bancos compradores
ganham uma fábula de dinheiro com as folhas de pagamento e pagam preços
aviltados pelos bancos vendidos. Meu Deus! Se um banco atender mal seu cliente,
o que este cliente faz imediatamente? Vai embora! Retira todo seu rico
dinheirinho e o deposita imediatamente em outro banco.Vê-se que de nada vale a
tal exclusividade. A retenção de clientes não se dá por decreto, ela se dá por
bom atendimento, por taxas menores, pela capilaridade do banco, pela imagem do
banco, pela sensação de que não há risco, acho até que nesta ordem mesmo. Por
isso, os clientes permanecem no banco e não por conta de um contrato de
exclusividade. Em resumo, o banco comprador paga para ter o direito de mostrar
que é o melhor e aí sim, os clientes sentindo-se seguros, começam a operar de
várias formas com o banco. Reclamam alguns conselheiros de tribunais de contas e
procuradores de municípios que as folhas de pagamento, a arrecadação e as
disponibilidades de seus respectivos estados e municípios não podem ser
administradas por um banco privado e sim somente por um banco oficial. Alguns
pareceres tratam apenas de questões semânticas, como se um banco privado que
adquiriu um banco oficial, não fosse na realidade também uma instituição
financeira oficial do Brasil. É preciso enfatizar que nenhum estado se endividou
para que seus bancos fossem vendidos, os estados já estavam endividados (e
muito!) por conta dos rombos dos seus respectivos bancos, o PROES somente
regularizou a situação. A justiça brasileira precisa consertar, como dizem os
mineiros, esse trem, para que o sistema bancário brasileiro se assente. Os
bancos compradores de bancos oficiais precisam de um respaldo jurídico. Os
bancos compradores de bancos oficiais, não podemos esquecer, conhecem bem a
máxima de Lord Keynes: "em economia, não existe almoço grátis" mas sem dúvida,
serviram também para dar credibilidade mundial às mudanças que o país precisava
fazer.
Raimundo Aben Athar
Prof. Universidade Candido Mendes-RJ
Prof. Fundação Getúlio Vargas
[email protected].