
Thiago Rodrigues Sanches Brandao
Iniciante DIVISÃO 1 , Contador(a)Mais do que um setor operacional, o contas a pagarcarrega sinais profundos de como empresas estruturam poder, responsabilidade, controle e confiança. Neste artigo, destrinchamos como o modelo organizacional molda — e é moldado — pelas realidades de Brasil e Canadá.
Por Thiago Rodrigues Sanches Brandão
1. Introdução: Pagamento como Reflexo de CulturaOrganizacional
O setor de contas a pagar é frequentemente relegado aum papel administrativo, de pouca visibilidade. Entretanto, esse departamento carrega consigo sinais profundos da cultura corporativa, estrutura de poder e maturidade operacional de uma organização (PINTO, 2020). Ao compararmos como empresas no Brasil e no Canadá organizam seus setores de contas a pagar, notamos diferenças que transcendem as questões fiscais ou de sistemas tecnológicos. Trata-se, na verdade, de como cada país lida com questões de risco, autonomia, controle e comunicação, influenciando diretamente a eficiência, reputação e competitividade as empresas.
2. Estrutura Hierárquica e Poder Decisório: Um Espelhodas Relações de Confiança
No Brasil, observa-se uma estrutura organizacional dosetor de contas a pagar altamente centralizada e hierarquizada, onde o profissional da área tem pouca autonomia para aprovar exceções. Qualquer discrepância nos prazos ou cláusulas contratuais geralmente precisa ser encaminhada para múltiplos níveis hierárquicos superiores (SILVA, 2018). Esse modelo reflete a necessidade de um controle mais rígido em um contexto de instabilidade econômica, alta carga tributária e histórico de informalidade fiscal, o que acaba resultando em processos mais lentos e excessivos pontos de controle (COSTA, 2019).
Por outro lado, no Canadá, o contas a pagar tende aser mais descentralizado, com uma distribuição do poder de decisão de forma mais ampla. Os analistas, por exemplo, podem aprovar pagamentos dentro de certos limites estabelecidos, desde que as informações estejam em conformidade com as regras corporativas (MARTINS, 2021). Esse modelo reflete uma cultura de confiança, onde a padronização dos processos e um ambiente jurídico mais previsível possibilitam maior autonomia e flexibilidade nas decisões.
3. Fluxos de Aprovação: O Tempo como Ativo Estratégico
Brasil:
Aprovações manuais e múltiplos níveis hierárquicos;
Dependência de e-mails, planilhas e sistemas paralelos, como mensagens informais;
Baixa integração entre contratos, compras e o setor financeiro, o que resulta emprocessos mais demorados e maior risco de falhas (PINTO, 2020).
Canadá:
Utilização deworkflows automatizados com regras bem definidas;
Sistemas de ERP integrados aos setores de compras e contratos;
Aprovações baseadas em exceções, com foco em agilidade e eficiência operacional (MARTINS, 2021).
Essas diferenças são refletidas na forma como os doispaíses lidam com o tempo e a eficiência. O modelo canadense permite um foco maior em atividades estratégicas, como o planejamento do fluxo de caixa, ao passo que o modelo brasileiro ainda lida com processos reativos, validando inconsistências de forma manual e com maior risco de erro (SILVA, 2018).
4. Papel do Profissional: Técnico vs. Estratégico
A função do profissional de contas a pagar tambémsofre a influência da cultura organizacional. No Canadá, o papel do analista é mais técnico e operacional, com foco em automação, monitoramento de indicadores (KPIs) e cumprimento de prazos acordados (MARTINS, 2021). O objetivo do profissional canadense é garantir previsibilidade e otimização no processo de pagamentos, com pouca intervenção manual.
Por outro lado, no Brasil, o analista de contas apagar exerce uma função mais multifuncional. Além de lidar com os pagamentos, muitas vezes ele precisa negociar com fornecedores, mediar conflitos entre os departamentos de compras e jurídico, e corrigir erros de retenção fiscal ou de documentação (COSTA, 2019).
Esse perfil exige mais flexibilidade e inteligência emocional, o que, por sua vez, pode levar a um aumento de sobrecarga e estresse, principalmente em ambientes com pouca automação e maior informalidade.
5. Tecnologia e Automação: Quando a Estrutura Impede o Avanço
Ambos os países têm acesso a tecnologias avançadas,mas a adoção de soluções tecnológicas como RPA (Automação de Processos Robóticos), OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) para leitura de faturas e integração de sistemas ERP ocorre de maneira distinta (PINTO, 2020).
No Canadá, a clareza nos processos e a padronizaçãofacilitam a implementação de tecnologias, resultando em maior eficiência e agilidade no setor de contas a pagar. No Brasil, entretanto, a diversidade de normas fiscais e a fragmentação de sistemas dificultam a automação plena (SILVA, 2018). Muitos projetos de automação não conseguem ser efetivos devido a exceções que não foram mapeadas nos processos, mostrando que a automação não é apenas uma questão de tecnologia, mas também de cultura organizacional e adaptação estrutural.
6. O Contas a Pagar e Sua Integração com a Estratégiada Empresa
No Canadá, o departamento de contas a pagar participaativamente de decisões estratégicas, como o planejamento de fluxo de caixa, gestão de capital de giro e a negociação com fornecedores (MARTINS, 2021). Essa integração com as áreas de estratégia financeira e procurement permite uma visão mais ampla e otimizada das finanças da empresa.
No Brasil, muitas vezes, o contas a pagar ainda évisto como uma função puramente operacional, com decisões estratégicas sendo tomadas apenas em níveis mais altos da organização (COSTA, 2019). No entanto, esse cenário está mudando, especialmente nas empresas multinacionais, startups e aquelas que passaram por processos de reestruturação. O setor de contas a pagar começa a ser integrado a projetos de eficiência operacional e planejamento financeiro estratégico.
7. Conclusão: Organizar é Escolher Como Confiar
A estrutura organizacional do setor de contas a pagaré um reflexo direto da forma como as empresas confiam nas pessoas, nos processos e no ambiente externo. O modelo canadense, que favorece a autonomia, a padronização e a análise de dados, contrasta com o modelo brasileiro, que ainda opera em um sistema hierárquico, manual e adaptativo, focado em prevenção de falhas (MARTINS, 2021).
Ambos os modelos têm seus pontos fortes e desafios. Acompreensão de como esses modelos funcionam, e a análise crítica sobre o que precisa ser mudado, são essenciais para alcançar a eficiência, confiança e escalabilidade dos processos. Como já mencionado, contas a pagar não é apenas sobre pagar contas; é uma escolha sobre como a empresa decide organizar suas operações.
Sobre o autor:
Thiago Rodrigues Sanches Brandão é formado em Ciências Contábeis pela PontifíciaUniversidade Católica de Minas Gerais, com pós-graduação em Planejamento Financeiro pelo Centennial College, no Canadá, e diploma em Administração de Empresas pelo IBT College. Profissional altamente qualificado em Contas a Pagar, com mais de 10 anos de experiência atuando em empresas de grande porte no Brasil e no Canadá, Thiago tem se especializado em transformar departamentos financeiros por meio da automação de processos e eficiência operacional.
Referências:
· COSTA,L. R. Gestão financeira no Brasil: desafios e perspectivas. São Paulo:Editora Atlas, 2019.
· MARTINS,J. L. Estratégia empresarial e gestão de processos. Toronto: PearsonEducation, 2021.
· PINTO,M. F. O papel da tecnologia no setor financeiro: uma análise comparativa.Revista de Administração, v. 56, n. 2, p. 112-130, 2020.
· SILVA,A. M. A estrutura de contas a pagar no Brasil: desafios e soluções. RevistaBrasileira de Finanças, v. 32, n. 1, p. 45-59, 2018.