Para quem acompanha essa questão com uma visão mais ampla, não houve nenhuma surpresa com os resultados da pesquisa.
A disparada da inflação, a partir da metade do ano passado, atingiu em cheio a chamada nova classe média, elemento novo na composição da sociedade brasileira nos últimos anos. Pela primeira vez desde a eleição de Dilma Rousseff, a situação de bem estar e de confiança desse grupo foi substituída por incertezas em relação ao futuro.
As posições políticas destes brasileiros -que representam hoje pelo menos 30% da sociedade- refletem majoritariamente a situação econômica do presente, ou seja, a situação de seu bolso.
Essa é uma característica das democracias de massas modernas, como bem resume a famosa frase dita no calor das eleições americanas de 1992:
"É a economia, estúpido".
O mesmo vem acontecendo no Brasil de hoje. Colocados, pelo efeito dos aumentos de preços recentes, diante de uma redução expressiva de sua renda real e da volta de certa insegurança em relação ao futuro por conta disto, um grande número de entrevistados pelo Datafolha decidiu mandar um recado ao governo.
A inflação implícita das vendas no varejo -que é estimada mensalmente pelo IBGE- está rodando, desde setembro do ano passado, acima de 7% ao ano.
Nos primeiros meses deste ano, o número chegou a 10% ao ano. Ou seja, o aumento dos preços dos bens de consumo vem se dando a uma velocidade superior à da variação nominal dos salários e reduzindo a renda real dos cidadãos. O mesmo fenômeno ocorre com os serviços, outro item importante do consumo dos brasileiros.
Com o consumidor, principalmente da nova classe média, endividado, esse comportamento da inflação acabou criando uma armadilha conhecida.
Como o ajuste nos gastos mensais não é feito imediatamente, a primeira reação das famílias, em situação de renda real em queda, é apelar para o cheque especial ou o cartão de crédito. Não por outra razão, o Banco Central registrou em abril deste ano o nível histórico mais elevado do cheque especial.
Pagando taxas elevadíssimas de juros (mais de 10% ao mês no cheque especial), mais adiante o cidadão consumidor vai ter que reduzir o seu consumo, comprando um volume menor de mercadorias e cortando alguns serviços ou mudando a qualidade dos produtos consumidos.
Esse é um fenômeno que será mais claramente percebido nos próximos meses, mesmo que o aumento dos preços a cada mês reduza a intensidade atual.
Ou seja, o estrago no humor do principal eleitor do governo vai piorar antes de melhorar. Até porque o aumento de juros que será usado para reduzir a inflação também terá um efeito negativo sobre o sentimento do consumidor.
As reações do Palácio do Planalto a essa alteração de humor de parte importante da sociedade, que até agora tinha mantido apoio quase incondicional à presidenta, mostram que não entenderam a alma deste grupo social.
Embora tal grupo seja uma criação do governo do PT, ao longo do primeiro mandato de Lula, essa é primeira vez que será testada sua fidelidade em condições econômicas menos favoráveis. E a situação do consumo será crucial.
Os comentários e justificativas de vários ministros e autoridades da área econômica mostram também um entendimento medíocre sobre uma economia de mercado como a brasileira.
Dou um exemplo disto ao leitor. Pouco antes da pesquisa Datafolha, o ministro Mantega disse em público que o povo não se interessa pelo tamanho do PIB, mas pelo nível do desemprego.
Ele teria razão se o crescimento do PIB não fosse a força motriz de uma situação de desemprego, algum tempo à frente. E, na situação atual da economia, se nada correto for feito, o PIB de hoje será a taxa de desemprego em outubro do próximo ano.
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Fonte: Jornal do Comércio