Muita conversa fiada e nada de ação. É assim que os profissionais da Contabilidade se sentem em relação à proteção de seu campo de trabalho e à defesa da sua profissão.
Qual o profissional que não gostaria de ver a sua profissão valorizada e respeitada? No entanto, o respeito e a valorização são fruto de nossas ações. Ações que deveriam ser motivadas pelas entidades que têm a obrigação de defender os interesses e de proteger o campo de trabalho dos profissionais.
Este ócio representativo das entidades de defesa profissional, esta omissão em defender as prerrogativas e a imagem da profissão perante a sociedade acarreta prejuízos significativos para o campo profissional, tais como a evasão cada vez maior de estudantes do curso de Ciências Contábeis, prejudicando o ensino da Contabilidade, bem como a falta de respeito que se estabeleceu na sociedade em relação ao trabalho dos profissionais contábeis nos últimos tempos, em que cada vez mais são impostos serviços estranhos às suas atividades, a um custo zero para quem exige estes serviços, sobrecarregando o dia a dia dos profissionais e prejudicando a qualidade final do serviço prestado.
A omissão das entidades da classe é tanta que agora se passou a exigir que os profissionais da Contabilidade “delatem” os seus clientes (Lei nº 12.683, de 2012) quando em operação suspeita de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimentos ou de valores mobiliários; de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; financeiras, societárias ou imobiliárias; e de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.
Doravante, além de ter que denunciar o seu cliente, o profissional terá também que montar um mecanismo de controle administrativo para suprir uma obrigação que deveria ser do governo. Em nossa opinião, isso extrapola o escopo das atividades que competem ao profissional da Contabilidade. Além disso, é um desrespeito para com as normas constitucionais do sigilo profissional. Como disse o Ministro do STJ, Cesar Asfor Rocha (RMS 9612/SP - DJ 09/11/98): “O interesse público do sigilo profissional decorre do fato de se constituir em um elemento essencial à existência e à dignidade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o desempenho de suas funções, bem como por se revelar em uma exigência da vida e da paz social.”
Imagine o que seria do médico se ele tivesse que informar ao Ministério da Justiça que seu cliente usou drogas proibidas; o que seria do advogado se ele tivesse que avisar à Polícia Federal que há indícios de que seu cliente tenha cometido um crime tributário; e, assim por diante. Isso jamais iria acontecer, porque as entidades de classe destes profissionais iriam intervir imediatamente em sua defesa.
Já é penoso ver o seu sindicato ficar omisso, mas o que deixa os contadores ainda mais tristes é ver o seu Conselho Federal de Contabilidade aprovar uma Resolução, a Resolução CFC nº 1.445, de 26/7/2013, obrigando o profissional contábil a obedecer a Lei, e determinando como estas exigências devem ser executadas.
Por isso, o que se espera dos sindicatos dos profissionais de Contabilidade é que tomem uma atitude célere a respeito, requerendo, com urgência, a inconstitucionalidade dos itens estabelecidos na Lei 12.683 de 2012 — que alterou a Lei 9.613, de 3/3/1998, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores —, para que os contadores e técnicos de Contabilidade não tenham de cumprir com as referidas exigências, já que ferem o sigilo que deve pautar a relação profissional-cliente. E, ainda, que o Conselho Federal de Contabilidade revogue imediatamente a Resolução nº 1.445 de 26/7/2013, por expor os profissionais a conflitos de interesses e para preservar a intimidade dos seus clientes.
Cumpre destacar que os profissionais de Contabilidade registram todos os atos de gestão promovidos pela pessoa jurídica nos livros contábeis, e que estes livros são disponibilizados através do Sistema de Processamento Eletrônico de Dados (Sped). Sendo assim, se a Receita Federal quiser disponibilizá-los a terceiros, ela poderá fazê-lo caso considere este procedimento legal. Agora, transferir para os profissionais da Contabilidade uma obrigação que é do governo e que irá interferir em suas relações profissionais, além de inconstitucional, é imoral. Os contadores não aceitam e repudiam esta medida.
Salézio Dagostim
Fonte: Jornal da Manhã