No entanto, a destinação obrigatória dos lucros das empresas não é tão nova como se vincula atualmente. Desde 2001, a Lei das S.A. já prevê que os lucros não destinados a contas de reservas - legal, estatutárias, para contingências, de lucros, de lucro a realizar) deverão ser distribuídos como dividendos.
Antes ainda, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio das notas explicativas à Instrução nº 59, de 1986, já exigia que a "parcela de lucro remanescente, após as destinações para as reservas de lucros e o pagamento do dividendo obrigatório, também deverá ser destinada".
A extinção da conta de lucros acumulados não foi propriamente uma novidade, mas uma questão de harmonização com a norma já vigente de destinação dos lucros e uma lapidação da louvada convergência brasileira às normas internacionais de contabilidade e demonstrações financeiras.
A real inovação trazida pela nova lei é a limitação para a utilização das reservas de lucros, instrumento largamente utilizado para a retenção desses recursos pelas empresas.
A partir do período de 2008, cujas demonstrações contábeis e financeiras das companhias abertas devem ser publicadas até abril de 2009, o saldo das reservas de lucros, exceto daquelas especificamente previstas - para contingências, de incentivos fiscais e de lucros a realizar-, não poderá ultrapassar o capital social. Atingindo esse limite, a assembleia deliberará sobre a aplicação do excesso na integralização ou no aumento do capital social ou na distribuição de dividendos. Desta forma, ainda que haja justificativa legítima para a retenção de lucros, há um limitador objetivo e inflexível de valor.
Por outro lado, a legislação proíbe a distribuição de dividendos para as empresas com débitos frente à Seguridade Social, havendo inclusive imposição de multa de 50% do valor supostamente indevidamente distribuído.
Como resolver o impasse sobre o assunto? Haveria razoabilidade jurídica de um mesmo ato (distribuição de dividendos) ser obrigatório no sentido de resguardar o direito dos acionistas nos resultados e proibido no sentido de garantir o direito arrecadatório?
Ainda, poderia a empresa estar sujeita à multa e seus administradores sujeitos a penalidades por terem cumprido a determinação e distribuição de dividendos contida na Lei das S.A.?
Em uma análise sistemática das normas, disposições da Lei das S.A. devem prevalecer, tendo em vista seu caráter específico frente à generalidade da legislação concernente à Seguridade Social.
Inclusive, os órgãos destinatários da arrecadação não seriam prejudicados, pois a distribuição de dividendos pressupõe a apuração de lucros. Uma vez que os débitos previdenciários são obrigatoriamente provisionados, a geração de lucros capacitaria a empresa a honrar com tais débitos, que já estariam garantidos por seus ativos e reservas.
O efetivo recebimento de participação nos lucros da empresa é direito dos sócios, não podendo o administrador refutá-lo ou omitir-se diante da obrigação de distribuição. Caso o faça, poderá responder civil e criminalmente e ser penalizado pela CVM, consoante o disposto nos artigos 8º e 9º , da Lei nº 6.385, de 1976.
Mas, que órgãos estariam legitimados, ou mesmo obrigados, a dispor sobre a destinação dos lucros nas hipóteses previstas?
A lei determina que haja uma assembleia-geral ordinária nos quatro primeiros meses do ano para, dentre outras atribuições, deliberar sobre a destinação do lucro do exercício.
Por outro lado, já é procedimento comum e aceito pelas autoridades de deliberação de destinação dos lucros por assembleia-geral extraordinária, quando necessária agilidade no processo, para posterior convalidação ou alteração pela assembleia-geral ordinária (AGO).
Tal agilidade pode ser necessária, exemplificativamente, em operações de fusões, cisões e incorporações quando os lucros estivessem fora da negociação ou em casos de planejamentos estruturados, inclusive com vistas à otimização tributária.
Fato é que a destinação dos lucros pode ser decidida anteriormente à AGO, inclusive precedendo ao próprio encerramento do período, hipóteses em que não são raras as necessidades de agilidade no procedimento. Importante frisar que a lei das S.A. não inclui a destinação do lucro como matéria de competência exclusiva da assembleia-geral.
Poderia, então, a diretoria deliberar sobre a destinação dos lucros para posterior convalidação pela assembleia-geral ordinária?
A interpretação que referida possibilidade teria legalidade vem tomando força e pode ser a solução para os conhecidos problemas na agilidade de importantes decisões.
Oportunidades são perdidas, negócios são desfeitos ou finalizados de forma a prejudicar uma das partes devido à morosidade incrustada nos burocráticos procedimentos para a organização de uma assembleia-geral válida.
As possíveis críticas quanto à possível irreversibilidade dos efeitos dessa deliberação frente à eventual discordância da AGO ou mesmo do conselho de administração são legítimas. Mas, frente à possibilidade de deliberação pela AGE para posterior convalidação, as críticas quanto à decisão pela diretoria teriam o mesmo fundamento, não sendo um desses procedimentos potencialmente mais danoso ou irreversível, não havendo motivo para repulsa de um com a existência do outro.
Fonte: Valor Online
Enviado por: Wilson Fernando de A. Fortunato