Há alguns dias recebi um cliente internacional, empolgado com a taxa de
juros no Brasil e com a propaganda externa que nosso país tem veiculado no mundo todo. Pediu-me então para orientá-lo com relação aos riscos e oportunidades que enfrentará no nosso empolgante ambiente empresarial, antes que alocasse seus investimentos por aqui.
Iniciei minha explanação demonstrando como funciona a carga tributária no Brasil. Expliquei que aqui pagamos tributos na entrada e na saída de mercadorias da empresa,
e que nem todas as rubricas são consideradas custos para efeito de crédito tributário.
Tive de desenhar a emissão de uma
nota fiscal e o momento da exigência dos impostos, independentemente do recebimento efetivo do pagamento pelo cliente (o tal de regime de competências).
O cliente se recostou um pouco, rabiscou alguns números, aumentou um zero ao lado do valor registrado como "investimento inicial necessário" e acrescentou mais alguma coisa numa conta descrita como "capital de giro"; cortou algumas linhas de empregados que planejava contratar, deu uma suspirada e pediu que eu continuasse.
Perguntou-me, então, sobre as consequências de passar alguns meses sem pagar impostos, caso isso fosse necessário, em razão do alto investimento que deveria fazer.
Expliquei que há uma lei especial para o Estado executar impostos devidos e não pagos, que presume legítimo o crédito da Fazenda. Naturalmente, e de forma muito lógica, perguntou se, quando equivocada, a Fazenda era condenada a pagar as despesas do processo, os danos causados pelo erro e o advogado contratado para defender a empresa.
Expliquei que quando a Fazenda vence, os impostos são cobrados com inúmeras multas, correções, juros e ainda uma razoável porcentagem para os advogados do Estado, embora concursados e com garantias que os profissionais liberais em geral não possuem.
No entanto, quando a empresa prova que não devia nada, através de sua defesa, o juiz determina um valor simbólico para os advogados de defesa, inocenta custos e a vida segue. Sua feição se franziu. Entretanto,prosseguiu com suas anotações, colocando um número bem maior numa linha escrita como "provisão de contingências".
Adverti o cliente, para que gravasse bem a mensagem sobre a importância de pagar impostos em dia, que algumas leis no Brasil consideram o não- pagamento de impostos de forma pontual como crime. Um sorriso sarcástico atravessou a distância entre a minha cadeira e a do cliente. Rebati com serenidade, o que lhe bastou para não anotar mais nada.
Passei mais quatro horas explicando, imposto por imposto, as despesas necessárias para manutenção da burocracia, e mais três horas demonstrando o funcionamento da legislação trabalhista e a proteção do empregado pelo Judiciário – embora nossa lei do trabalho remonte a um período de exploração do imigrante escravizado (ou quase isso) nos primórdios da industrialização brasileira, lá nos idos da década de 40 do século passado.
Agradecendo-me pela honestidade, despediu-se depois de um árduo dia de cálculos e indignações. No dia seguinte, disse, seguiria para um banco, para entender os contratos de empréstimo e financiamento de capital.
Quem suspirou, desta vez, fui eu, lembrando o fechamento de três outras companhias estrangeiras que não suportaram o descasamento entre custos e receitas, fecharam suas portas, dispensaram colaboradores e retornaram para os seus países.
Quatro histórias verídicas.
Ricardo Piza
Fonte: Diário do Comércio – SP