Desbaratada a quadrilha de funcionários graduados da Prefeitura que fraudou durante anos o Imposto Sobre Serviços (ISS), enriquecendo com propinas pagas por incorporadoras imobiliárias, em troca de descontos ilegais nesse tributo, não bastam que medidas sejam tomadas - como está sendo feito - para que os implicados sejam exemplarmente punidos. É preciso também tomar as providências que se impõem para evitar a repetição de escândalos como esse, que deu aos cofres municipais um prejuízo estimado em cerca de R$ 500 milhões.
Isto começou a ser feito com a implantação em curso de um sistema de controle eletrônico do ISS, que tem como base, segundo o Sindicato dos Auditores Fiscais da capital, um projeto apresentado pela categoria à Secretaria Municipal de Finanças em 2009. Segundo a entidade, ele só foi desengavetado no final do governo de Gilberto Kassab e retomado agora pelo prefeito Fernando Haddad. A esta altura, pouco importam a autoria do projeto e o empenho maior ou menor de um e outro na sua execução. Para a cidade, o que conta de fato é torná-lo realidade.
Ele prevê a emissão eletrônica do certificado de quitação do ISS, documento indispensável para que as construtoras obtenham o Habite-se. Com esse sistema deixa de existir a necessidade de os ficais receberem pessoalmente, em papel, as notas fiscais de serviços terceirizados que as construtoras apresentam para abater do valor do ISS devido, mecanismo já ultrapassado que favorece a corrupção.
As investigações indicaram que os auditores envolvidos no esquema de práticas ilegais recebiam propina no valor de até 30% do imposto devido e davam desconto de 50% às empresas. Dessa forma, apenas 20% do ISS era recolhido aos cofres da Prefeitura. Para dar aparência de legalidade à fraude, as construtoras envolvidas apresentavam notas fiscais frias ou de serviços prestados em outras obras. A informatização do serviço permite exercer um controle mais rigoroso e dificulta a corrupção.
Uma sugestão feita pelo vice-presidente do Sindicato dos Auditores, Cássio Vieira Pereira dos Santos, deveria merecer a atenção da Prefeitura: "Falta a integração dos sistemas de arrecadação. Cada imposto tem um programa e são todos muito antigos, da década de 1970". Já que se deseja resolver o problema das falhas no sistema de arrecadação, deve-se a aproveitar a ocasião para considerar todos os seus aspectos.
Tornar tanto quanto possível simples e impessoais, por meio da informática, os procedimentos burocráticos que envolvem relações de servidores com os contribuintes, em especial as empresas, é uma das formas mais eficientes de prevenir a corrupção. Isso possibilita limitar muito a conhecida prática de "criar dificuldades para vender facilidades", que prospera no contato pessoal de fiscais e outros funcionários com quem tem assuntos a tratar na administração pública.
Isto ficou claro também no escândalo, que estourou no ano passado, envolvendo o ex-diretor do extinto Departamento de Aprovação de Edificações (Aprov) Hussain Aref Saab, acusado de receber propina para facilitar a emissão de autorização para construções de médio e de grande portes, e que adquiriu 106 imóveis nos sete anos em que permaneceu naquele cargo. No final do governo Kassab, numa tentativa de barrar essas práticas criminosas, foi implantado um sistema de informatização do processo de análise das construções. Com o mesmo objetivo do que se está fazendo com o ISS - estabelecer procedimentos impessoais, além de tornar mais rápida a liberação de documentos.
Fernando Haddad foi ainda mais longe nessa direção e criou em julho passado a Secretaria Municipal de Licenciamento, com o objetivo de dar tratamento mais racional, ágil e transparente aos pedidos, à análise e à liberação de alvarás para obras. Esse é o caminho a seguir para coibir os abusos e práticas ilegais que, como demonstraram esses dois escândalos que estouraram no curto espaço de pouco mais de um ano, se haviam disseminado por importantes setores da administração municipal. É uma forma de tentar cortar o mal pela raiz.
Fonte: Estadão