As novas regras tributárias aprovadas no pacote da Lei de Falências deverão ser derrubadas pelos tribunais superiores. Apenas duas semanas depois de publicada a nova lei, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sinalizaram que irão cassar a redução do prazo que as empresas têm para recuperar tributos pagos a mais.
Quatro dos nove ministros da 1ª Seção do STJ votaram, ontem, contra a nova regra prevista no artigo 3º da Lei Complementar nº 118, que baixou de dez para cinco anos o prazo para ação de recuperação de indébito - muito usada pelas empresas para obter de volta tributos pagos a mais ou derrubados pelo Judiciário.
Os ministros questionaram o fato de o governo aproveitar a nova Lei de Falências para resolver questões tributárias e mudar a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de aumentar a arrecadação da Receita Federal.
O STJ entende há 15 anos que o prazo para as empresas ingressarem com ação para recuperar tributos pagos indevidamente é de dez anos. É uma jurisprudência consolidada no tribunal e válida para os chamados tributos lançados por homologação, que são os calculados e recolhidos pelo próprio contribuinte. Ou seja, a maior parte dos tributos pagos pelas empresas. Agora, o governo mudou a regra, aproveitando o pacote da Lei de Falências.
Ministro José Delgado: não é salutar mudar uma decisão do Judiciário somente porque é desfavorável ao Fisco
O que despertou atenção especial foi que a nova lei trouxe a mudanças "para efeito de interpretação" de uma norma editada há 39 anos. E, como feita a título de "interpretação", seus efeitos seriam retroativos, atingindo os processos em andamento.
"Não me parece razoável dar um cheque em branco para o Executivo e o Legislativo derrubarem as interpretações do Judiciário", questionou o ministro João Octávio de Noronha. "Se a cada instante que o Judiciário criar uma jurisprudência contra os interesses da Fazenda Nacional for se editar normas contra essa interpretação, o Estado de Direito acabou", completou ele.
"O que busca o artigo º é modificar a interpretação do Judiciário", definiu o ministro José Delgado. "Isso é muito complicado num regime democrático. Não é salutar tentar mudar um entendimento de um tribunal superior exclusivamente porque tem sido desfavorável ao Fisco."
O ministro Peçanha Martins protestou contra o fato de o Congresso aprovar uma lei para mudar a interpretação do Judiciário. "Eu vi nascer essa jurisprudência", lembrou Martins, um dos ministros mais antigos no STJ.
"Essa é uma interferência indevida no Judiciário", bradou o ministro Franciulli Neto. A interferência estaria no fato de o Congresso ter aprovado a lei para dar nova interpretação ao Código Tributário Nacional e reduzir o prazo das empresas. "Pode o Legislativo proceder com a interpretação de Lei? Penso que não. Isso é função do Judiciário", ressaltou Martins.
O processo não foi concluído por pedido de vista do ministro Luiz Fux. Ele justificou que precisava de tempo, pois a matéria é nova. A lei foi publicada no Diário Oficial há duas semanas e sequer entrou em vigor. Além de Fux, faltam os votos dos ministros Teori Zavascki, Castro Meira, Denise Arruda e Francisco Falcão.
As empresas precisam de apenas um desses cinco votos restantes para derrubar a nova lei no STJ. Para o advogado Marco André Dunley Gomes, os contribuintes estão próximos de uma vitória histórica. "Este resultado, ainda que parcial, revela a seriedade dos nossos tribunais e o compromisso com a segurança jurídica", comentou. Dunley Gomes disse que os ministros reconheceram que a lei foi feita para atacar a jurisprudência deles.
O advogado Márcio Brotto de Barros afirmou que a mudança fere a independência entre os Poderes. Ele disse que reconhecer a validade da Lei Complementar nº 118/2005 é o mesmo que admitir que sempre que uma decisão judicial não atender ao interesse e à conveniência do Executivo, este poderá propor uma nova lei para cassar o entendimento do Judiciário. "O que se pretende é mudar as regras do direito aplicável quando o direito vigente não atende às regras do governo", atacou.
Rodrigo Leporace Farret, do escritório Andrade Advogados Associados, assistiu ao julgamento de ontem e elogiou a postura dos ministros: "A posição assumida até agora é coerente com a jurisprudência do tribunal". Para ele, é esdrúxulo o governo editar uma norma para mudar um entendimento de décadas do tribunal. O julgamento deverá ser retomado no próximo dia 9.
Fonte: Valor Econômico