Aos poucos isso está mudando. Cresce o número empresas que preferem adequar-se às necessidades fisiológicas do funcionário, como uma forma de colher melhores resultados profissionais, inclusive com reflexos nos lucros.
“É importante que os empresários entendam que há pessoas matutinas, ou seja, que podem entrar mais cedo no trabalho, pois não terão problemas para acordar. No entanto, outra parcela, é vespertina, e terá melhor rendimento a partir do final da manhã para a tarde e à noite. O que não significa que os vespertinos são preguiçosos ou os matutinos, trabalhadores, é apenas uma questão orgânica”, explica o prof. dr. Luis Vicente Franco Oliveira, Coordenador do Laboratório do Sono da Universidade Nove de Julho – Uninove, em São Paulo.
Segundo ele, trabalhar à noite, para uma pessoa que não se adapta ao turno, ou vice-versa, pode ser um grande risco, pois, a sonolência faz com que o profissional tenha uma redução dos reflexos, diminua a capacidade de concentração e criatividade, aumente a fadiga, e o nível de estresse. “Consequentemente, os riscos de acidentes no ambiente de trabalho e no trânsito são maiores”, diz.
Algumas empresas já detectaram as vantagens dessa tendência e oferecem um espaço aos funcionários que querem usufruir de um período de descanso no meio do expediente. E não precisa ser muito tempo, não, diz o médico. "Meia hora por dia pode ser o suficiente para a recomposição física e psicológica", diz. "Além de ter um ganho no rendimento do profissional, a empresa pode deixar de perder monetariamente, afinal, funcionário afastado ou acidentado, gera alto custo".
A força da soneca
A opinião do médico em defesa da soneca já foi comprovada em pesquisas. Uma delas foi na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP com profissionais de enfermagem, divulgada em 2007. A conclusão não deixa dúvidas: dormir durante curtos períodos em jornadas de trabalho noturno é uma prática eficiente para manter o nível de alerta do trabalhador. O estudo, realizado pelo biólogo Flávio Notarnicola da Silva Borges, verificou o índice de capacidade de trabalho, os ciclos de vigília e sono e os ritmos biológicos dos enfermeiros.
Na primeira etapa da pesquisa, foram aplicados questionários em 696 enfermeiros de um hospital da cidade de São Paulo. "As questões serviram para apontar as variáveis sócio-demográficas, de saúde e ligadas ao ambiente de trabalho que comprometiam a capacidade para o trabalho", afirma Borges. "Na parte sócio-demográfica, ter mais de um emprego, filhos e ser o único responsável pela renda familiar geravam perda de capacidade".
Segundo o pesquisador, a idade também influenciou a capacidade de trabalho. “Enfermeiros que passaram dos 40 anos e continuam a trabalhar em turnos possuem melhor tolerância, enquanto profissionais que apresentavam perda de capacidade antes dessa faixa etária não fazem mais parte do corpo de trabalhadores”. O estudo aponta que, dentro do ambiente de trabalho, o conforto térmico e o abuso verbal também influenciam na aptidão dos enfermeiros. "O abuso é mais sentido quando o profissional foi maltratado verbalmente mais de duas vezes no último ano", conta Borges.
Na segunda etapa do estudo, foram avaliados os ritmos biológicos de dois hormônios, a melatonina (ligada ao sono) e o cortisol (relacionado a resposta ao estresse), por meio de suas concentrações na urina, e também o ciclo vigília-sono, assim como os níveis de alerta de 20 voluntários. "Para o ciclo de vigília-sono, foi um usado um actímetro, aparelho usado para medir os níveis de atividade, combinado a escalas onde os trabalhadores avaliavam a qualidade do sono e os períodos de alerta", diz o pesquisador.
Borges relata que os trabalhadores noturnos que podiam dormir durante a jornada, apesar de terem um sono mais curto e de menor qualidade, mantinham o nível de alerta no trabalho até o final da madrugada, apresentando menor sonolência do que aqueles que não dormiram. "A produção de melatonina é menor do que os trabalhadores diurnos, o que pode acontecer devido a maior exposição noturna à luz", diz. "Ao mesmo tempo, o menor nível de cortisol pode ser um indício de fadiga".
Segundo a pesquisa, a qualidade do sono também varia conforme a tolerância ao trabalho em turnos. "Os profissionais que toleram mais o trabalho noturno tem um sono com melhor qualidade referida, e não apresentam diferenças na produção de melatonina nos períodos de trabalho e de folga", afirma o biólogo. "Os que suportam menos os turnos eram significativamente mais sonolentos". Borges ressalta que a prática de pequenos períodos de sono durante o trabalho noturno é pouco adotada no Brasil, e quase sempre é feita de modo informal. "Não se deve generalizar as necessidades de repouso, pois há grande variabilidade individual”, alerta. “Deve-se levar em conta também a vida fora do trabalho e a palavra do próprio trabalhador".
Pesadelo
Com poucas horas de sono, os profissionais erram mais e ainda correm o risco de contrair doenças, como diabetes e pressão alta
A Philips Electronics divulgou um estudo com 2.500 profissionais, de cinco países, que apontou que quase três quartos deles não estavam dormindo o suficiente. O estudo foi realizado com homens e mulheres, donos e fundadores de empresas, sócios, diretores de conselho, além de gerentes nos níveis sênior, médio e júnior. A pesquisa mostrou que 40% dos questionados apontam as preocupações referentes a assuntos de trabalho como a principal razão para a falta de sono. A vasta maioria (61%) afirma que sofreu impacto negativo em seu trabalho devido à falta de sono. Em média, cerca de 6,2 dias por ano foram afetados por sono inadequado – gerando possíveis danos à saude e custo de milhões às companhias ao redor do mundo.
De acordo com a pesquisa:
· Os americanos têm mais tendência que outras nacionalidades de perder o sono por causa do estresse no trabalho; 30% citam essa como a razão pela qual acordam durante a noite.
· A quantidade padrão de tempo que os americanos levam para pegar no sono – 26 minutos – é mais alta que em qualquer outro país pesquisado – e os homens americanos são os que mais roncam no mundo: 29% roncam todas as noites.
· 70 % afirmam que o seu trabalho foi afetado por causa da falta de sono.
· O sintoma apontado como número 1 da falta de sono foi diminuição da paciência/tolerância, seguido por menos entusiasmo e concentração.
Charles Kreisler, professor de Medicina do Sono da Harvard Medical School, afirma que ao mesmo tempo em que as corporações criam políticas para a promoção da saúde junto aos seus funcionários, muitas encorajam uma cultura de insônia, confundindo falta de sono com vitalidade e alto desempenho. No ambiente de negócios, isso significa que as empresas costumam recompensar gerentes que trabalham 80 horas por semana, funcionários sênior que sobrevivem com apenas cinco ou seis horas de sono noite após noite, esperando que os funcionários trabalhem em uma nuvem de efeitos de mudanças de fuso-horário e cafeína.
“O sono não é opcional – é absolutamente crucial para a saúde das pessoas”, diz David White, chefe da área de soluções para Home Healthcare da Philips. “As pessoas simplesmente precisam levar o sono muito mais a sério, pois as conseqüências de não se dormir suficientemente são sérias: ganho de peso, tendência a ter diabetes, alta pressão sanguínea e até ataques cardíacos.”
Aproximadamente dois terços dos respondentes da pesquisa afirmaram que a falta de sono afetava seu trabalho porque eles se sentiam menos capazes de se concentrar, tinham menos paciência e entusiasmo. E um quarto dos respondentes chegou a culpar o sono por decisões erradas. Além das descobertas acerca da falta de sono, a pesquisa também descobriu que, enquanto 96% dos ouvidos reconhecem que o sono inadequado pode afetar seriamente a saúde de uma pessoa, apenas 29% discutem seu padrão de sono problemático. Dos que o fazem, apenas 27% buscam ajuda médica profissional, enquanto a maioria apenas conversa sobre os seus problemas com a família e os amigos.
Dados pesquisa, realizada pela TNS:
· 2.513 pessoas foram entrevistadas, das quais 59% (1.483) eram homens e 41% (1.030), mulheres.
· A divisão em grupos de idades foi a seguinte: abaixo de 25 anos – 7%; 26 a 35 anos – 20%; 36 a 45 anos – 25%; 46 a 55 anos – 26%; 56 a 65 anos – 18%; acima de 65 anos – 4%.
· A pesquisa foi conduzida nos EUA (502), Reino Unido (501), Holanda (501), Alemanha (500) e Japão (509)
Fonte: Uol