Anjo da guarda é aquele que dá uma força para que o protegido acerte e evite erros. No mundo dos negócios, este é o papel de outro "anjo", neste caso uma pessoa física que coloca recursos próprios em uma empresa em estágio inicial (startup), assumindo o risco de ter retorno financeiro ou de perder o capital aportado no longo prazo.
Ao fazer o aporte, geralmente junto com outros anjos para diluir os riscos, ele passa a ter uma participação societária, que pode ser vendida após um período que pode variar de três a sete anos.
O tempo depende do retorno que se busca atingir. De fato, é um investimento não-financeiro e, sendo assim, não é para qualquer perfil de pessoa física. "Quem investe precisa entender o que está fazendo, pensar no longo prazo e dar continuidade. Deve se sentir realizado não só com os ganhos, mas com o crescimento da empresa no curto prazo, já que ele contribui para ela crescer. Se pensar só no financeiro e perceber que no meio do caminho não está dando retorno, não vai dar certo. Para o anjo, é mais importante o caminho e não a chegada", explica Cássio Spina, presidente da Anjos do Brasil, organização sem fins lucrativos que fomenta esse tipo de investimento e o empreendedorismo.
A entidade reúne 240 anjos em 12 cidades brasileiras. No ano passado, este mercado, que tem ao todo 6.450 investidores, movimentou R$ 620 milhões, um crescimento de 25% sobre o ano anterior. Segundo Spina, existe uma intenção de investimento de R$ 2,6 bilhões para o período de 2014 e 2015, um valor ainda pequeno - mas de qualquer forma proporcional ao tamanho - perto de mercados como os Estados Unidos, onde o montante passa de US$ 22 bilhões.
Perfil do anjo
Por causa dessas características, o anjo geralmente é um empresário ou executivo, com idade média de 43 anos, segundo pesquisa realizada pela organização, em julho, com 120 investidores ativos. De acordo com o estudo, 41% dos entrevistados são anjos há menos de um ano. Outros 26% são investidores dessa modalidade há mais de três anos. Do total, 87% participam de grupos de anjos, ou seja, têm o apoio e trocam informações com pessoas que também adotam essa prática de investimento.
Em média, eles já efetuaram dois investimentos dessa natureza e aplicaram um valor médio de R$ 686,7 mil. O levantamento mostra que 58% dos entrevistados investiram menos, ou até R$ 100 mil. Outros 40% disseram que pretendem investir em duas empresas nos próximos dois anos. Para 54% deles, existe o interesse de aplicar de R$ 100 mil a R$ 500 mil em empreendimentos. A maioria prefere os setores de tecnologia da informação, internet, aplicações para a web e celular, software, educação, saúde, e-commerce e varejo.
O que a pesquisa mostra é que a maior preocupação do anjo hoje em dia é receber bons projetos de negócios e ter uma perspectiva de saída e de retorno do investimento, além de proteção jurídica do patrimônio e incentivos fiscais do governo. Neste quesito, há o projeto de lei do Senado 54/2014, que propõe a dedução na declaração do
Imposto de Renda de 20% do valor investido pelo anjo na startup, por um período mínimo de três anos e que não ultrapasse o montante de R$ 80 mil por ano.
Nova geração
Spina avalia que o crescimento do interesse por esse tipo de investimento está relacionado com a atual geração de empreendedores e investidores. "Antigamente havia no Brasil o empreendedor por necessidade, que buscava uma forma de subsistência. Hoje temos os empreendedores de oportunidade, que querem construir grandes negócios. Na outra ponta, temos investidores com recursos financeiros e capacidade de ajudar a empresa a crescer. Acaba sendo uma oportunidade para os dois lados. O anjo é um investimento para o empreendedorismo e, por isso é preciso acreditar", afirma o presidente da Anjos do Brasil.Quem se interessa por essa modalidade de investimento deve primeiro procurar entender como funciona o processo inteiro, ou seja, desde o primeiro contato com o empreendedor e o pós-investimento. A informação está em livros e workshops da organização. O segundo passo, explica Cássio, é procurar um grupo de anjos e aprender sobre aspectos práticos. "É um processo colaborativo e o anjo precisa se juntar a outros, trocar ideias e criar uma rede de relacionamentos. Temos grupos em doze cidades brasileiras, para os quais direcionamos os investidores interessados", explica.
Com um grupo pode ser mais fácil entender como funciona, na prática, o processo burocrático para ser um anjo, ou seja, ele precisa se cercar de cuidados jurídicos e aprender como avaliar um negócio, fazendo as perguntas certas para o empreendedor. Uma unanimidade é que, quanto mais cedo o anjo entra no negócio, maior é a possibilidade de contribuir para o crescimento da empresa, com conselhos e rede de contatos. Neste ponto, os especialistas se dividem um pouco sobre a importância do investidor conhecer muito bem o setor de atuação da empresa, tendo sido dono de um negócio no mesmo ramo no passado. Durante o Congresso de Investimento Anjo, na semana passada, Sylvio Gomide, diretor do Comitê de Jovens Empreendedores da Fiesp, disse que sua opção pessoal foi investir no setor de educação, em duas startups, porque já tinha experiência anterior e, dessa forma, pôde contribuir mais com as empresas.
Já Humberto Matsuda, membro do conselho executivo da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), diz que o anjo não precisa necessariamente ter tido uma experiência prévia no setor da empresa em que pretende investir. "É um processo dialético. O investidor pode fazer perguntas que quebram a inércia do empreendedor quando este está diante de uma decisão difícil. Ele deve investir em um setor no qual saiba fazer as perguntas certas e entender as respostas", afirma Matsuda.
De empreendedor a anjo
João Kepler, administrador e também membro da Anjos do Brasil, passou de empreendedor a investidor. Sua história começou em 2011, quando foi buscar recursos de anjos na Califórnia para seu negócio, uma plataforma de vendas de tíquetes de espetáculos on line. "Eu não tinha um plano de negócios, nem experiência e não deu certo. Mas um anjo americano sugeriu que eu investisse. Eu tinha fluxo de caixa e comecei a investir em empresas pequenas de diversos setores. Comecei aplicando R$ 100 mil e hoje já participo de 22 startups, seja com investimento, mentoria e em aceleradoras”, conta Kepler, sem revelar o montante que tem atualmente aplicado nas empresas. Ele diz que investe nos setores de inclusão social, varejo e e-commerce. Exemplo é uma empresa que vende apenas sapatos para mulheres que usam a numeração 33 e 34. "Tenho no portfólio inovação também. No caso, embalagens. Minha área mesmo é varejo e entretenimento, mas invisto em setores nos quais não tenho know how. Isso é bom, porque eu me interesso e aprendo. Dou dinheiro suficiente para bancar o fluxo de caixa da empresa por um ano e só escolho projetos com geração de caixa previsível. Não sou arrojado e não entraria em projeto não-monetizado", explica.
Ele diz que, como anjo, contribui mais com conhecimento e apoio do que com dinheiro. "Fico do lado, pego na mão e apoio. Dedico 35% do meu tempo para os investimentos nas empresas. Então faço reunião pelo Skype e sempre estou em contato com os empreendedores, que pedem dicas pelo Whatsapp. Quando estou em um evento, sempre paro para dar uma orientação ou ajudar com um contato", conta. Kepler diz que já teve retorno de cinco vezes a oito vezes o capital investido, em diferentes projetos.
Mas também já perdeu dinheiro, quando entrou em um negócio e não fez um contrato detalhando o papel de cada sócio. "As esposas dos empreendedores entraram na empresa e não deu certo", conta. Na hora de escolher um projeto, Kepler presta muita atenção no empreendedor. "Ele precisa acreditar no negócio dele e dar tudo o que tem nisso. Nem vejo se está negativado. Ele pode ter caído uma vez, mas tentou. Só não pode ter se envolvido com picaretagem. Demoro um tempo para investir porque acho que isso é como o casamento, antes tem a paquera e o namoro", completa.
Por Rejane Tamoto
Fonte: Diário do Comércio - SP