O mecanismo de funcionamento da Taxa SELIC é simples, porém a explicação é um pouco longa. Mas, vale a pena fazer um esforço e tentar acompanhar o texto até o final. Só assim, você sobreviverá sem maiores dúvidas sobre essa que é considerada a mais importante Variável da Economia, pois é ela quem baliza o mais importante preço do Sistema Econômico: o Preço do Dinheiro (Juro).
Toda a encrenca se origina de um fato muito simples: o Governo é incapaz de manter um orçamento equilibrado, isto é: é incapaz de gastar apenas aquilo que arrecada.
Como as receitas tributárias são sempre menores do que as despesas, afinal vivemos numa “Democracia”, e quanto mais o partido governante gastar com seus apaniguados e com toda a sua base aliada, maiores as chances de ele se eternizar no Poder. Então, o Governo está sempre precisando arrumar outros meios de financiamentos desses gastos.
O responsável por conseguir esses financiamentos é o Tesouro Nacional. O Tesouro pode se financiar apenas com a emissão de títulos públicos (ele não tem o poder de imprimir papel-moeda e moeda metálica, como tem o Banco Central). Quando a arrecadação de impostos é insuficiente para cobrir os Gastos do Governo, o Tesouro tem de emitir títulos para conseguir mais dinheiro.
O Tesouro precisa emitir títulos da dívida, isto é: precisa se endividar, para conseguir financiamento. Quem compra esses títulos? Em sua maioria, são os bancos. Entretanto, pessoas físicas também podem comprar esses títulos diretamente do Tesouro Direto, e se tornar um investidor, vivendo dos juros pagos pelos impostos arrecadados do setor produtivo da economia.
Digressões à parte, pessoas físicas comprando títulos públicos ainda representam uma exceção à regra (o grosso dos títulos é comprado pelos bancos). Mas não é qualquer banco que pode comprar esses títulos, diretamente do Tesouro. Apenas 10 bancos têm esse privilégio. São os chamados “Dealers Primários”. Assim, quando o Tesouro decide emitir títulos, ele vai ao Mercado Primário e vende esses títulos a esses 10 bancos privilegiados.
Existem 6 tipos de títulos, que diferem entre si de acordo com seu tipo de rentabilidade e prazo. Mas, vamos poupar tempo e deixarmos tais detalhes de lado. O que importa é que o Tesouro emite vários tipos de títulos que são comprados pelos bancos privilegiados.
Uma vez em posse dos bancos, esses títulos podem ser livremente comercializados entre si, porém eles somente serão resgatados pelo Tesouro na sua data de vencimento. Quando esses títulos são leiloados pelo Tesouro, já se sabe de antemão (exceto nas LFT) quais serão os juros que o Tesouro terá de pagar aos compradores dos títulos. E aí, a única variável será o índice de inflação utilizado em cada título como forma de correção monetária.
O Banco Central não participa dessas vendas no Mercado Primário (até maio de 2002 ele podia emitir títulos próprios, mas, hoje não pode mais). Ele vai atuar apenas no Mercado Secundário, do qual falaremos adiante. Além disso, sua atuação não vai alterar o fluxo dos juros pagos pelo Tesouro aos portadores dos títulos (exceto nas LFT, cujo rendimento é sim alterado pelas atuações do BC). O fluxo de juros de cada título (exceto as LFT) é determinado no Leilão Primário. Atuações posteriores do BC não vão gerar alterações no montante de juros pagos aos portadores desses títulos.
Observe que, até agora, o BC não entrou na história. Apenas o Tesouro e os bancos privilegiados do Mercado Primário participaram do esquema.
Façamos aqui um pequeno “porém” extremamente importante e paralelo:
A única entidade que goza do Monopólio da Emissão de Moeda é o BC. Embora seja o BC a única entidade que cria a Moeda Física (papel-moda e moeda metálica), o Sistema Bancário é capaz de, literalmente, criar dinheiro do nada, algo que os economistas chamam de Moeda Escritural. Trata-se de dinheiro “fictício”, não existe fisicamente. São apenas números eletrônicos na contabilidade dos bancos.
Funciona assim: João deposita R$10.000,00 em sua conta no Banco X. João pode até achar que esses R$10.000,00 ficarão ali parados, como um carro em um estacionamento pago, mas não ficarão. Como o Sistema Bancário é de Reservas Fracionárias, os bancos mantêm como reservas apenas parte do dinheiro que neles foi depositado. Assim, o Banco X vai guardar uma parte desse dinheiro (digamos, R$3.000,00) e emprestar o restante (R$7.000,00) para Manuel. Manuel vai investir esse dinheiro de alguma forma, e o dinheiro inevitavelmente acabará sendo depositado num Banco Y. O Banco Y vai guardar uma parte desse dinheiro (R$2.100,00) e emprestar o restante (R$4.900,00) para Antônio, que adotará o mesmo procedimento de Manuel, dando assim continuidade ao ciclo. Ao mesmo tempo em que o dinheiro de João foi sendo “passado adiante”, o próprio João continua tendo acesso integral a esse mesmo dinheiro (que é seu): seja emitindo cheques ou utilizando cartão de débito. Dessa forma, os R$10.000,00 iniciais se multiplicaram.
A porcentagem que cada banco teve de guardar (no exemplo acima, 30% dos depósitos) é determinada pelo BC. Essa porcentagem é chamada de Depósito Compulsório. Os bancos são obrigados por lei a guardar/depositar essa quantia junto ao BC, diariamente. Trata-se de um mecanismo de controle da Expansão Monetária. Quanto menor for essa porcentagem, maior será a quantidade de dinheiro que os bancos podem criar via empréstimos. Os bancos criam dinheiro (eletronicamente/contabilmente) em uma quantia que é inversamente proporcional à taxa do compulsório. No Brasil, o compulsório está em 28% (nos EUA é 10%), o que significa que os bancos podem criar dinheiro no valor de até 3,6 vezes o total de suas reservas compulsórias (1/0,28=3,6). Logo, os R$10.000,00 de João acabam virando R$36.000,00.
Se, milhões de operações bancárias são realizadas diariamente em todo o país (depósitos, saques e transferências), é normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas reservas uma porcentagem menor do que aquela que o BC determina que ele deve ter em relação aos seus depósitos à vista. Da mesma forma, é normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas reservas uma porcentagem maior do que aquela que o BC determina que ele deve ter em relação aos seus depósitos à vista.
Ex.: peguemos o compulsório vigente no Brasil, de 28% (nos EUA é 10%). Se o Banco X, ao final do dia, tiver um total de R$1.000.000,00 em depósitos à vista, mas suas reservas junto ao BC totalizarem apenas R$250.000,00, então ele terá de conseguir mais R$30.000,00 para fechar seu balanço (os motivos para ele estar abaixo do limite podem ser vários, principalmente um número de saques maior que o número de depósitos. Isso é comum). Então, o Banco X terá 2 opções para conseguir esses R$30.000,00: pode recorrer ao próprio BC e pedir um empréstimo (chamado de Redesconto) ou pode pedir emprestado para um outro banco que esteja com excesso de reservas (pois teve um número de depósitos maior do que o de saques).
O mecanismo do Redesconto raramente é utilizado, pois os juros são punitivos (justo para coibir a prática). Assim, o procedimento mais comum é recorrer a um banco que esteja com excesso de reservas.
Esse mercado onde um banco empresta para outro é chamado de Mercado Interbancário. Por lei, o banco que pede emprestado é obrigado a pagar esse empréstimo no dia seguinte. Assim, se o Banco X tiver de pedir R$30.000,00 emprestado ao Banco Y, no final de uma 2ªfeira; o Banco X é obrigado, por lei, a pagar o principal mais os juros ao Banco Y, já na 3ªfeira.
E o que é mais importante: como foi explicado lá no início, os bancos possuem títulos que compraram do Tesouro. Assim, o Banco X, ao pedir R$30.000,00 emprestados para o Banco Y, irá dar ao Banco Y esses mesmos títulos públicos como garantia pelo empréstimo.
Em economês, diz-se que esse empréstimo está “lastreado em títulos públicos”. Desta forma, o Banco Y vai comprar títulos públicos do Banco X, tendo a garantia de que o Banco X vai recomprar esses títulos no dia seguinte, pagando juros. Como essa operação dura só da noite p/o dia, é batizada de Over Night.
O que é realmente importante em tudo isso é a taxa de juros utilizada nesse empréstimo interbancário. Essa taxa de juros, que um banco cobra do outro no mercado interbancário, nas operações de over night, e que possuem lastro em títulos públicos federais, é exatamente a bendita Taxa SELIC.
Portanto, Taxa SELIC é a taxa usada nas operações de curtíssimo prazo entre os bancos, quando querem tomar recursos emprestados de outros bancos por um dia, oferecendo títulos públicos como garantia. Essa taxa pode ser consultada todo dia no website do BC .
Hoje, verificamos que se encontra no patamar de 0,038406%. Assim, no caso acima, o Banco X teve de pagar ao Banco Y, além dos R$30.000,00, um juro de 0,038406%, que é igual a R$11,52. Ou seja, numa operação 100% segura (os títulos são garantidos pelo Governo), o Banco Y lucrou mais de R$11,00 ao emprestar R$30.000,00 da noite pro dia (considerando o volume de empréstimos interbancários que ocorrem diariamente, conclui-se que o Negócio Bancário, principalmente no Brasil, não é nada ruim).
Outro detalhe, como a Taxa SELIC é a taxa de juros para empréstimos de apenas um dia, seu valor é pequeno. Por isso ela é divulgada em termos anuais, tendo como base 252 dias úteis ao ano. O cálculo é feito diretamente pelo Sistema SELIC após o encerramento das operações do dia, em processo noturno.
Em termos matemáticos mais simples, pegamos o valor da taxa diária, dividimos por 100, somamos 1 e elevamos o resultado ao expoente 252.
Fazendo essa operação, mais simplificada do que a fórmula do Sistema SELIC, temos que:
(1,00038406)252 – 1 = 0,1016 = 10,16%
O que dá uma taxa SELIC anualizada de 10,16%, bem próxima da Meta atual do BC, de 10,25%.
Vale aqui enfatizar o seguinte: o BC determina uma meta para a Taxa SELIC, ele não determina a taxa exata. É por isso que a Taxa SELIC Efetiva pode apresentar ligeira diferença da Taxa Oficial divulgada pelo BC (a Taxa Efetiva atual é 10,16% e a Meta do COPOM-BC é 10,25%).
Pelo bem da simplificação, é mais ou menos assim que funciona o Mecanismo da Taxa SELIC. Mas, e nós com isso? O que a Taxa SELIC pode ajudar ou atrapalhar na nossa vidinha de simples cidadãos usuários do Sistema Bancário? Pode-se dizer, por exemplo, que a Taxa SELIC influencia a nossa vida financeira pessoal, quando, por tabela, define todas as outras taxas e produtos bancários, tais como: a TR da Poupança, a TJLP dos empréstimos de longo prazo, a CDI dos Fundos DI (Fundos de Renda Fixa), e por aí se dana.
Existe toda uma relação entre a Taxa SELIC e todas as outras taxas bancárias, que têm o poder de mexer nas nossas finanças pessoais. Como se diria naquele famoso canal de televisão: SELIC E VOCÊ, TUDO A VER.