A economia em ritmo lento, o avanço dos serviços e a realização da Copa do Mundo fizeram com que a jornada média de trabalho do brasileiro caísse este ano.
Entre abril e agosto, a jornada ficou em 40,1 horas por semana, segundo levantamento realizado pelo 'Estado' a partir de dados do IBGE.
Quatro anos atrás, a média em igual período era de 40,7 horas por semana. Em 2002, a jornada média foi de quase 42 horas por semana.
Uma das principais explicações para essa redução, segundo especialistas, é o desaquecimento econômico, aliado à forma como o crescimento do emprego ocorre no Brasil. Para os especialistas, o baixo crescimento faz os empresários reduzirem o número de horas trabalhadas de seus funcionários, em especial na indústria. No caso dos fabricantes automobilísticos, por exemplo, há o expediente do "lay-off" - a suspensão temporária do contrato de trabalho - ou as férias coletivas.
O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, diz que a redução da média de horas efetivamente trabalhadas no Brasil ocorre por uma combinação de fatores.
Segundo ele, além do baixo crescimento da economia, o mercado de trabalho tem gerado vagas principalmente no setor de serviços, onde as jornadas são "parciais".
No caso de serviços de telemarketing e também na área de tecnologia da informação, por exemplo, as jornadas variam de seis a oito horas por dia, resultando em 30 a 40 horas de trabalho semanais. "A jornada de serviços pode estar influenciando a jornada média geral", avalia Ganz Lúcio.
Copa. A Copa do Mundo também serviu para reduzir a jornada de trabalho. O mês de junho registrou a menor média de horas efetivamente trabalhadas, segundo os dados do IBGE, cuja série histórica começa em 2002. Foram 39,1 horas por semana, em média, trabalhadas em junho deste ano. Em agosto, o dado mais recente disponível, a jornada média aumentou quase duas horas, passando a 41 horas semanais.
"Entre 2002 e 2014, houve uma tendência de queda no emprego industrial e de aumento nas vagas em serviços e comércio. Essa foi uma mudança profunda na estrutura do mercado de trabalho do País. De modo geral, vivemos uma redução da jornada de trabalho no Brasil", diz o especialista João Saboia, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "A jornada dos brasileiros é muito mais próxima das 40 horas por semana do que das 44 horas semanais", afirma Saboia, em referência à jornada estipulada na Constituição.
A mudança legal para a fixação de uma jornada de 40 horas semanais sem redução de salários é hoje a principal bandeira das centrais sindicais. Em todos os comícios promovidos por sindicalistas para as três principais candidaturas presidenciais, de Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), a bandeira "40 horas já" foi levantada. Oficialmente, o Palácio do Planalto afirma estudar a
medida, mas afirma que não há planos de tirá-la do papel no curto prazo.
Ciclo. A queda no tempo que o brasileiro gasta no trabalho ao longo de uma semana também pode ser explicada pelo ciclo econômico. Quatro anos atrás, o PIB crescia a níveis recordes de 7,5%, e o mercado de trabalho registrava a criação de quase 4 milhões de vagas com carteira assinada em um ano. A inflação tinha ficado abaixo da meta no ano anterior (fora de 4,3% em 2009) e a economia estava deixando para trás a queda de atividade decorrente da explosão da crise mundial, no fim de 2008.
"Quando a economia inicia um ciclo de forte crescimento, os empresários aumentam as horas extras e a jornada de trabalho aumenta. Apenas quando as empresas têm segurança que a economia continuará crescendo e que aquele ritmo não é apenas um espasmo pontual, ela começa a contratar mais mão de obra, e então a jornada estatisticamente diminui", afirmou Ganz Lúcio, do Dieese. Foi isso, segundo ele, que determinou o pequeno incremento na jornada média verificada entre 2006 e 2010.
Para ele, a discussão sobre a redução oficial da jornada no País é complexa hoje, por conta do ciclo econômico. Diferente do cenário de quatro anos atrás, o PIB agora deve crescer apenas 0,3%, na avaliação do mercado. No primeiro semestre, a economia brasileira registrou uma recessão técnica, após dois trimestres consecutivos de PIB negativo.
Por João Villaverde
Fonte: O Estado de S. Paulo