Com o advento da Lei nº 9.430/96 houve significativo avanço na solução de litígios de natureza tributária ao instituir o regime de autocompensação tributária, nos termos de seu art. 74 e parágrafos.
Tanto os créditos apurados pelo contribuinte, como aqueles resultantes de decisões judiciais com trânsito em julgado, poderão ser compensados com quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Nos termos do § 1º do art. 74 a compensação será efetuada mediante entrega pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. Será de 5 anos o prazo para homologação da compensação efetuada pelo contribuinte. No silêncio do fisco tem-se por homologada a compensação e extinto o crédito tributário (§ 5º, do art. 74).
Essa compensação só era possível em relação a tributos administrados pela Secretaria de Receita Federal, o que excluía as contribuições previdenciárias administradas pela Secretaria da Receita Previdenciária. Posteriormente, a Lei nº 11.457/2007 fundiu as duas Secretarias resultando na Secretaria da Receita Federal do Brasil que passou a fiscalizar, arrecadar e administrar todos os tributos federais.
Entretanto, a Lei nº 11.457/2007, pelo parágrafo único, do art. 26 tornou inaplicável expressamente a compensação de que cuida o art. 74 da Lei nº 9.430/96 com relação às contribuições previdenciárias (art. 11, parágrafo único, letras a, b e c da Lei nº 8.212/91).
Por causa dessa vedação legal a jurisprudência do STJ veda essa compensação de contribuições previdenciárias, conforme ementa abaixo:
“RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. TRIBUTOS ADMINISTRADOS PELA ANTIGA RECEITA FEDERAL (CRÉDITOS DE PIS E COFINS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO) COM CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 26 DA LEI Nº 11.457/07. PRECEDENTES.
- É ilegítima a compensação de créditos tributários administrados pela antiga Receita Federal (PIS e COFINS decorrentes de exportação) com débitos de natureza previdenciária antes administrados pelo INSS (art. 11 da Lei n. 8.212/91), ante a vedação legal estabelecida no art. 26 da Lei n. 11.457/07. Precedentes.
- O art. 170 do CTN é claro ao submeter o regime de compensação à expressa previsão legal. Em outras palavras, é ilegítima a compensação não prevista em lei. No caso, há regra expressa no ordenamento jurídico, especificamente o art. 26 da Lei 11.457/07, a impedir a compensação pretendida pela recorrente.
- Recurso especial não provido” (REsp nº 1243162/PR, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 28-03-2012).
Para conferir efetividade na atividade jurisdicional do Estado é preciso que aquele texto legal proibitivo de 2007 seja lido de forma atualizada.
A proibição legal fundava-se no fato de que as contribuições previdenciárias eram fiscalizadas e cobradas pela Secretaria da Receita Previdenciária. Com a extinção desse órgão deu-se a unificação das duas Receitas Federais dando nascimento à Secretaria da Receita Federal do Brasil, com a incumbência de administrar todos os tributos de competência da União. A cobrança judicial das contribuições sociais, inclusive, das contribuições previdenciárias passou a ser competência da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, não mais do órgão secundário, o INSS.
Assim, não havia razão para manter essa proibição, agora, de forma expressa, na contramão do programa de desburocratização.
De qualquer forma, a compensação por iniciativa do contribuinte pode ser alcançada por via indireta. Requerida a restituição de determinado tributo pago indevidamente, a RFB verifica de imediato se o requerente possui dívida a título de contribuição previdenciária. Em caso positivo ocorre a compensação de ofício (art. 114 da Lei nº 11.196/2005), alcançando parcialmente o resultado previsto no art. 74 e parágrafos da Lei nº 9.430/96. Digo parcialmente, porque essa compensação sui generis rompe o conceito tradicional de compensação disciplinada no art. 368 e seguintes do Código Civil à medida que só permite compensar débitos da contribuição previdenciária com créditos tributários em geral, não permitindo a hipótese inversa, isto é, a compensação de crédito da contribuição previdenciária com débitos dos demais tributos em geral.
Por isso, esse tipo de peculiar compensação de ofício pode estimular a omissão do contribuinte no pagamento pontual das contribuições previdenciárias, a fim de buscar a sua compensação com créditos de outros tributos acumulados ao longo do tempo.
O melhor caminho seria a reorientação da jurisprudência do STJ mediante interpretação histórica, teleológica e sistemática, considerando a ordem jurídica global. Hoje, o que existe em termos de arrecadação das contribuições sociais do art. 195 da CF é o que poderemos denominar de regime de “caixa único”, cabendo à contabilidade pública a destinação do produto total da arrecadação, de conformidade com o que dispuser a lei de regência da matéria.
Por Kiyoshi Harada
Fonte: Harada Advogados