A Lei nº 13.606, publicada em 09 de janeiro de 2.018, ao tratar sobre o Refis do Funrural, aproveitou, oportunamente, em suas disposições finais para autorizar a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a realizar penhoras e tornar indisponíveis bens de seus devedores, tudo de forma administrativa, ou seja, sem o crivo do Poder Judiciário.
Segundo a redação dada ao artigo 20-B da Lei nº 10.522/2002, a Fazenda Nacional poderá tornar indisponíveis imóveis e veículos de contribuintes que não quitarem débitos inscritos na dívida ativa, em cinco dias, após notificação, bem como comunicar tais débitos aos órgãos de proteção ao crédito do consumidor (SCPC/Serasa).
Dessa forma, os contribuintes começaram a questionar na Justiça os bloqueios de bens diretamente pela Procuradoria da Fazenda Nacional. No caso, uma indústria de São Paulo, notificada por ter débitos tributários em aberto, obteve uma decisão favorável para evitar tais medidas.
Atualmente, verificou-se dois casos de bloqueio de bens de empresas e consequentemente a concessão de duas decisões liminares favoráveis na Justiça Federal da 3ª Região. Tais decisões podem ainda servir para eventuais outros casos que venham a ocorrer.
A primeira decisão, proferida pelo juiz Paulo Cezar Duran, da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo, consignou que a penhora só poderia ser determinada pelo Poder Judiciário. Entendeu o magistrado que o legislador ao estabelecer as medidas de constrição previstas no artigo 20-B, da referida lei, afrontou o princípio constitucional da separação dos poderes, o que garante que as atribuições típicas de um órgão não serão delegadas a outro.
Ademais, observou que o Código Tributário Nacional (CTN), já trata da penhora de bens do devedor tributário, e possui regras claras e específicas sob o controle e atuação do Judiciário.
O magistrado ainda cita jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema para embasar a decisão, nos seguintes termos: “Em tese firmada pelo Egrégio STJ verifica-se que a condição para o magistrado tornar indisponível bem do devedor, é a comprovação do exaurimento dos meios de busca de bens penhoráveis por parte do credor”. E continua: “Resta clara a inconstitucionalidade do artigo da Lei 13.606/2018, diante de sua incompatibilidade com princípios e preceitos da Carta Magna”.
E está correto o magistrado. Pois de acordo com o artigo 185-A do CTN, na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar ou apresentar bens à penhora no prazo legal e se não forem encontrados bens penhoráveis, será o juiz quem determinará a indisponibilidade de bens e direitos.
Além disso, tais medidas administrativas ferem frontalmente a isonomia, o devido processo legal, o direito de propriedade e, até mesmo, o direito de imagem em alguns casos, trazendo somente insegurança jurídica, pois ainda dará margem às demais Procuradorias estaduais e municipais a procederem da mesma forma, a pretexto de simetria.
A respeito, o advogado tributarista André Rodrigues, esclarece que tais medidas constritivas, por invadirem direitos fundamentais, somente poderiam ser tomadas por uma autoridade constitucionalmente investida, dotada de imparcialidade e jurisdição. “Mesmo porque, o que mais se questiona atualmente no Judiciário são às irregularidades por parte das Procuradorias ao promoverem as inscrições de débitos em dívida ativa”, afirma o advogado. Aponta ainda que: “Todos os dias aparecem casos nos quais se verificam excesso de exação, mediante a inclusão indevida de valores sobre o montante do débito, bem como corresponsabilização de sócios sem a devida cautela, apenas por meras presunções”.
Questionamento em trâmite no STF (ADI n. 5.881).
Foi ajuizada no dia 19 de janeiro ação direta de inconstitucionalidade na qual o PSB alega que a regra prevista no artigo 20-B, da Lei 12.522/2002, afronta os princípios constitucionais do devido processo legal, da reserva de jurisdição, do direito de propriedade e da isonomia.
Os procuradores da ação também lembram que já existem inúmeros meios de cobrança disponíveis, porém, todos com participação do Judiciário, que, segundo à Constituição, é o responsável por verificar a legalidade do ato. Entre os mecanismos citados estão o procedimento cautelar fiscal (da Lei 8.397/92), o bloqueio preventivo de bens (art. 185-A, do Código Tributário Nacional) e o arrolamento de bens e direitos (pela Instrução Normativa RFB 1565/2015).
Lembrando-se que existem ainda instrumentos extrajudiciais de coerção e cobrança, como por exemplo, o CADIN e o protesto de CDA, estes sem a participação do Poder Judiciário, uma vez que não invadem o patrimônio dos contribuintes.
No momento, a ação encontra-se com o Ministro Marco Aurélio Melo, que é o relator sorteado, e está pendente de apreciação da concessão de medida cautelar.
Fonte: Assessoria do escritório R&S Advogados Associados