FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ontem que o aumento do IPI (Impostos sobre Produtos Industrializados) para carros importados só vale a partir da segunda quinzena de dezembro.
A decisão também afirma que as pessoas que compraram veículos com imposto mais alto deverão receber a diferença de volta. Por unanimidade, os ministros entenderam que o governo não poderia ter determinado a entrada imediata em vigor do decreto que elevou em 30 pontos percentuais a alíquota do IPI para automóveis importados ou que não atendam a novos requisitos de conteúdo nacional. A medida, que passou a valer em 16 de setembro, afetou principalmente carros importados da China e da Coreia, mas também atingiu o mercado de automóveis de luxo.
Apenas o México e a Argentina ficaram de fora, por existir acordo automotivo entre esses países e o Brasil. Ontem, o Supremo analisou, em caráter liminar, uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo DEM. O partido de oposição questionava o artigo 16 do decreto 7.567 de 2011, que determinou a validade imediata da medida. Todos os ministros do tribunal concordaram que tal determinação é inconstitucional, pois fere os princípios da anterioridade nonagesimal e o da não surpresa.
Em outras palavras, os ministros do Supremo entenderam que o aumento só poderia valer após 90 dias da edição do decreto para não surpreender o contribuinte.
Cabem recursos técnicos, os embargos de declaração, mas, como os nove ministros votaram da mesma forma, é praticamente impossível reverter a decisão. "O ato em questão fere gravemente a integridade da Constituição", disse o ministro Celso de Mello. "O risco da inconstitucionalidade pode gerar efeitos perversos na relação com o contribuinte."
O colega Luiz Fux disse que o contribuinte brasileiro deve ser tratado como um "sujeito de direitos", e não um "objeto de contribuição". "Só o princípio do não susto já seria suficiente", avaliou a ministra Cármen Lúcia, dizendo que o brasileiro deve ter um tempo para se preparar antes de ter um aumento em seus impostos.
ARRECADAÇÃO
A AGU (Advocacia-Geral da União) afirmou à Folha, após o julgamento, que não será prejudicada com a decisão pois o decreto determinava que o recolhimento do imposto só passaria a acontecer 45 dias após sua publicação.
Segundo o órgão, até hoje o prazo ainda não havia terminado. Acontece que as concessionárias já haviam começado a repassar o aumento do imposto aos preços dos automóveis.
Os consumidores responsáveis, portanto, deverão cobrar o valor pago a mais às lojas de carros Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, eles podem até acionar a Justiça para receber a diferença. Apesar da explicação, Marco Aurélio foi o único que votou contra a retroatividade da decisão, por entender que a decisão era cautelar, e não "reparativa".
Dilma pressiona montadora a não demitir
Na terça-feira, Mantega pedirá a representantes de montadoras instaladas no país contrapartida por benefício no IPI
Fabricantes estudam demissões e anunciam programas de cortes por sinais e desaceleração na economia do país
VALDO CRUZ
NATUZA NERY
DE BRASÍLIA
Por determinação da presidente Dilma, o ministro Guido Mantega (Fazenda) está convocando reunião com as montadoras associadas à Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) para terça.
A pedido de Dilma, Mantega vai cobrar das montadoras instaladas no país contrapartidas pelo benefício concedido a elas com a alta de 30 pontos percentuais no IPI, que pega carros importados. Segundo a Folha apurou, o governo vai pedir às montadoras que evitem demissões aos primeiros sinais de uma eventual queda muito forte no crescimento da economia brasileira.
Dilma está preocupada com informações repassadas a ela de que montadoras cogitam promover corte de empregos por conta de uma queda nas vendas de veículos. As montadoras reclamam da retração no crédito na economia promovida pelo governo, classificada pelo setor como um dos principais motivos pela redução das vendas.
Ontem, após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de postergar a entrada em vigor da alta do IPI, o governo considerou que há risco de haver forte aumento na importação de veículos nas próximas semanas -tirando efeito no curto prazo da medida adotada para proteger o mercado doméstico da invasão de importados.
Idealizada pelo Ministério da Fazenda, a alta do IPI perdeu apoio dentro do governo. Até no Planalto, que defendeu a medida quando foi lançada, a avaliação é que ela criou mais problemas do que efeitos positivos no mercado. Está descartada, porém, uma revogação da alta do IPI, que continua sendo defendido pela Fazenda. Dilma, porém, considera que as montadoras instaladas no Brasil têm de fazer "compromissos" com o país.
Além de evitar demissões, a presidente deseja que montadoras como GM, Fiat, Volks e Ford promovam investimentos para aumentar o conteúdo nacional de seus veículos produzidos no país. A alta do IPI foi criticada, internamente no governo, pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e da Ciência e Tecnologia.
Os ministros Fernando Pimentel e Aloizio Mercadante preferiam uma redução da alíquota de IPI para as montadoras que aumentassem investimentos em inovação tecnológica e do conteúdo nacional de seus carros. A medida faria parte do novo regime automotivo. Só que o governo acabou mudando completamente de direção e elevando as alíquotas do imposto para combater a invasão de importados no país, principalmente de carros vindo da China e Coreia.
Mercadante e Pimentel devem participar também da reunião de Mantega com as montadoras. O ministro do Desenvolvimento deve negociar com montadoras que abrirem unidades no país para contornar o aumento do IPI. BMW e JAC Motors já apresentaram suas propostas, em estudo pelo governo.
Decisão do STF traz mais apreensão aos importadores
VENCESLAU BORLINA FILHO
DE SÃO PAULO
A decisão do STF gerou apreensão no setor, principalmente, entre os importadores que já repassaram o aumento do IPI ao preço dos veículos. Kia e Volkswagen, que anunciaram tabela nova, foram surpreendidas e devem se posicionar hoje.
O presidente da Kia, José Luiz Gandini, estava num encontro com concessionários quando tomou conhecimento da decisão. Imediatamente, ele reuniu seus executivos e pediu detalhes sobre quantos carros foram vendidos com preço novo. A Volkswagen informou, por meio de sua assessoria, que não teria como avaliar ontem a decisão do tribunal e que precisava entender a medida com detalhes para adotar alguma mudança no valor do Tiguan 2012, reajustado em 8,6%.
No caso da Kia, a nova tabela de preços foi anunciada na semana passada. O reajuste médio foi de 8,41%. Até mesmo modelos importados do Uruguai, como o caminhão utilitário Bongo, sofreu reajuste de 3,64%.
PREOCUPAÇÃO
Outra preocupação dos importadores será planejar as vendas do estoque e as novas aquisições no período de 90 dias. A estratégia é garantir carros suficientes para vender sem repassar o aumento do IPI. A medida do governo vence em dezembro de 2012. Como as importadoras estão com os estoques baixos e as operações de importação duram, no mínimo, 60 dias, as empresas terão que montar esquemas de importação, o que poderá incluir custos.
Por meio de nota, a direção da Abeiva (associação dos importadores de veículos) afirmou que a constitucionalidade da medida do governo foi questionada pela associação logo após o anúncio por entender que traria "danos irreparáveis" aos importadores. O importador Brenno Floriano, de Ribeirão Preto (313 km de São Paulo) afirmou que o STF demorou a tomar a posição. "Esperaram 35 dias para analisar o caso, apesar de a inconstitucionalidade estar evidente desde o início da medida", disse.
Ele afirmou que as vendas na sua loja de importados, na zona sul da cidade, caíram bastante após a medida, mesmo ele tendo conseguido na Justiça uma liminar para importar sem o aumento do IPI.
"No primeiro dia perdi a venda de um Mustang de R$ 200 mil. Gastei com advogado para conseguir a liminar na Justiça e, agora, quem vai pagar por esses custos a mais?", questionou.
Fonte: Folha de S.Paulo