Ninguém podia entrar nele, não, porque o controle era feito com muito rigor. Ninguém podia eleger presidente, porque as eleições não existiam. Tudo era feito com muito esmero para manter o acesso à entidade restrito a poucos e com o mesmo dirigente no poder.
O Sindicato dos Comerciários de Cuiabá e Várzea Grande, a despeito dos tantos trabalhadores que atuavam nesse setor nas duas maiores cidades mato-grossense, possuía apenas 50 filiados e manteve o mesmo presidente por quase 20 anos. Parecia a casa muito engraçada sonhada por Vinícius de Moraes, já que faltava até mesmo o básico para se parecer com uma associação de defesa dos comerciários.
Foi essa constatação, aliada a um rosário de irregularidades, que levou o Ministério Público do Trabalho a questionar a legitimidade da diretoria da instituição em 2010. Bastava prestar atenção para notar ali irregularidades e incongruências de saltar aos olhos. Apesar de recolher a contribuição sindical dos trabalhadores, era dificultada ao máximo a filiação de novos sindicalizados. Aquele sindicato vazio parecia não incomodar os dirigentes, que sequer se esforçavam para buscar novos membros ou mesmo para evitar as perdas dos antigos. E o que acontecia durante as eleições parecia ser mantido a sete chaves, já que nada era registrado em ata.
O sindicato atendeu aos requisitos legais para sua fundação, em 1980, mas a partir daí passou a colecionar irregularidades e descumprimentos do próprio estatuto. Foram “aprovadas” sucessivas alterações estatutárias, a maioria delas antidemocráticas, como a possibilidade de a diretoria aceitar ou não pedido de filiação sem nenhuma justificativa, a exigência de quórum extremamente rígido para os associados solicitarem assembleia, a existência de reeleições sucessivas
e indefinidas, o estabelecimento de mandato com prazo superior ao máximo previsto em lei, entre outras.
Como se não bastasse, o presidente eleito em janeiro de 1989 não era elegível, pois não atendia aos requisitos básicos de ser associado há pelo menos seis meses e de estar no exercício da atividade de comerciário há mais de dois anos. Mesmo assim, num espaço de 10 anos, o mesmo presidente foi eleito, curiosamente, em duas eleições ilegais.
Arrumando a casa
Tantas irregularidades só começaram a ser desfeitas quando o Ministério Público do Trabalho ingressou, em 2010, com uma Ação Civil Pública pedindo, entre outras coisas, ampla campanha de sindicalização e eleições para a presidência. O sindicato foi acusado de trazer prejuízos para toda uma coletividade por impedir a liberdade sindical, fraudar processo eleitoral e compor a diretoria com membros suspeitos.
Em 2011, a vara trabalhista considerou ilegal a eleição dessa diretoria e determinou que se desse início a uma ampla campanha de filiação de novos associados. Após esse prazo, deveria ser iniciado processo eleitoral para escolha de nova mesa diretora.
A diretoria em exercício recorreu da decisão, mas o Tribunal manteve as obrigações bem como a condenação ao pagamento de multa por dano moral coletivo. Só que essa “novela” ainda não havia chegado ao fim...
Quase um ano e meio depois, ainda sem realizar a campanha de sindicalização, os dirigentes deflagraram novo processo eleitoral, quando nova decisão judicial suspendeu a assembleia convocada para a eleição. O problema foi que todo o processo estava sendo realizado sem o acompanhamento do Ministério Público do Trabalho, motivo pelo qual foram condenados ao pagamento de multa.
O caso só foi resolvido mesmo em abril de 2016, quando, após duas tentativas frustradas, o MPT e a diretoria do sindicato chegaram a um acordo em uma audiência de conciliação. Dezesseis anos depois, após indenizações, multas aplicadas e pilhas de processos acumulados, finalmente foi realizada, em julho de 2016, a eleição do sindicato, dessa vez acompanhada pelo MPT, que se certificou de toda a regularidade do processo.
Mais de uma década de esforços das duas instituições que zelam pelos trabalhadores para as irregularidades do sindicato serem solucionadas, com a expectativa de que dali por diante cumpriria de fato seu papel. Ao invés de praticar, combater abusos com atuações combativas e dar voz aos trabalhadores.
Fonte: TRT 23