Em 2021, os efeitos da pandemia no ambiente econômico e no desemprego, além do encarecimento da energia elétrica devido à crise hídrica, impactou diretamente na inadimplência dos brasileiros com a conta de luz.
Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontaram que 39,43% das famílias de baixa renda atrasaram a fatura por pelo menos um mês no ano passado. A parcela desses consumidores com contas em aberto cresce desde 2012, quando o índice começou a ser medido e ficou em 17,85%.
O cenário de renda comprometida das famílias deixou elas expostas ao corte de luz, que voltou a ser permitido desde outubro passado. O atraso de apenas um mês no pagamento já põe o fornecimento do serviço em risco.
Pelas regras da agência reguladora, não há uma quantidade mínima de contas em aberto que autorize as empresas de distribuição de energia a interromper o abastecimento. A única regra é que os consumidores devem ser avisados com antecedência mínima de 15 dias.
São consideradas famílias de baixa renda as com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa – hoje, R$ 606.
Corte de luz
A suspensão do corte estabelecido pela agência em 2020 e 2021 derrubou a quantidade de desligamentos.
Foram 391 mil em 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19. Em 2019, foi feito 1,3 milhão de cortes. Outras medidas também podem ser tomadas, como o envio do nome do consumidor para o cadastro negativo.
O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, ressalta que, apesar da autorização para efetuar o corte já no primeiro mês de atraso, as empresas buscam outros mecanismos.
“O corte é o último instrumento. Não interessa manter o consumidor cortado, não faz sentido, mas tem de permanecer ativo na forma adequada.”
Aumentos
Desde 2015, a conta de luz dos brasileiros subiu mais do que o dobro da inflação. Em sete anos, a tarifa residencial acumula alta de 114% – ante 48% de inflação no mesmo período, uma diferença de 137%.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço da energia elétrica residencial subiu 21,21% no ano passado.
O consultor do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite, afirmou que as famílias entraram em um ciclo de pagamento de faturas em atraso. Ele avalia que a situação é similar quando se trata das contas de água, que também colocam em risco o fornecimento de um serviço essencial para o dia a dia.
“Tem todo um histórico de aumentos da tarifa, e isso tem impactado o orçamento das famílias. Os consumidores estão cada vez mais endividados”, afirma. “As pessoas escolhem pagar outras contas, sabendo do risco de terem o serviço suspenso.”
Para ele, mesmo que o programa Tarifa Social traga um alívio para as famílias, é necessário rever as políticas públicas relacionadas ao setor elétrico. O programa atende 12,6 milhões de famílias, que recebem descontos de até 65%.
“Não temos como negar que beneficia as pessoas, mas não está sendo suficiente. Mesmo com esse desconto, as famílias não estão livres de encargos. O sistema precisaria ser revisto para que seja mais eficaz”, afirmou.
Conta de luz atrasada
Os dados da Aneel apontam que não apenas os mais pobres têm tido obstáculos para manter a conta em dia. Considerando todos os consumidores residenciais, 22,44% das famílias atrasaram o pagamento por pelo menos um mês.
Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (Ceri) da FGV, disse que as faturas têm um peso maior para quem tem baixa renda.
“Mesmo para quem recebe o desconto, por estar enquadrado como baixa renda, o peso da tarifa de energia é maior do que para os que têm uma renda maior”, afirma.
As projeções para os próximos anos também não são animadoras. A conta de luz deve continuar subindo, pressionada pelo empréstimo bilionário autorizado pelo governo para amenizar os reajustes em 2022, ano de eleições presidenciais. O financiamento será pago nos próximos anos, com juros.
“Tem crise econômica, desemprego e o consumidor não consegue arcar com essa conta. É um contexto macroeconômico completamente desfavorável e um contexto setorial muito complicado, vem de uma crise hídrica e da necessidade de gerar energia de usinas termelétricas com custos muito elevados”, diz Lisbona.
Fonte: com informações do Estadão