Um novo termo tem surgido entre os trabalhadores para descrever empresas que, embora pareçam preocupadas, não cumprem o que propagam e não estão tão preocupadas com o bem-estar dos trabalhadores.
Esse é o “carewashing”, fenômeno que está sendo muito questionado por funcionários, principalmente os da Geração Z, que buscam valores reais nas empresas, além dos tradicionais nomes.
"Carewashing é uma expressão que, na prática, nos indica que determinada empresa está 'vivendo de aparência' em relação ao cuidado com os funcionários e com a comunidade que cerca seu ecossistema em geral”, afirma a coach executiva, especializada em Gestão de RH pela FGV – RJ, Fabiane Borges.
Não se sabe exatamente quem criou o termo, mas Borges explica que carewashing deriva do conceito de greenwashing, que foi criado nos anos 1980 para descrever práticas onde empresas fazem declarações enganosas sobre serem sustentáveis.
“Carewashing nos alerta às práticas de bem-estar, saúde e qualidade de vida implementadas na empresa de forma superficiais e não traduzem de fato a preocupação e o interesse genuínos pelas pessoas. A preocupação é mais com a imagem do que com o impacto real”, afirma Borges.
Que tipo de empresa adotam essas medidas?
Apenas 21% dos funcionários dos Estados Unidos acreditam que suas organizações realmente se importam com seu bem-estar, segundo uma pesquisa da Gallup publicada em junho de 2024.
“Em 2020, esse percentual era de 49%, o que nos mostra uma queda de percepção de cuidado em 28%”, afirma Borges.
Essa sensação de falta de cuidado é um dos reflexos do carewashing, uma vez que empresas que praticam esse fenômeno, segundo Borges, normalmente investem em estratégias de marketing e endomarketing com intenções mais comerciais (reputação da marca) do que, de fato, com uma preocupação social.
Essa prática de não fazer o que fala, contrariando o que o mercado global conhece como walk the talk, é uma das preocupações dos líderes de RH no Brasil, segundo uma pesquisa da consultoria AL+ People & Performance Solutions deste ano.
“As empresas têm a responsabilidade de gerar programas para orientar pessoas a se cuidarem, não apenas porque é algo bom para a sua imagem, mas porque gera funcionários mais saudáveis e produtivos”, afirma o fundador da AL+ e especialista em gestão corporativa há mais de 25 anos, Adriano Lima.
“São as organizações que precisam dar as ferramentas, o incentivo, o exemplo, e isso pouco acontece ainda, porque encontramos uma realidade em que o próprio líder não se cuida”, afirma Lima.
Empresa, faça essas 3 perguntas
Para a coach executiva e ex-líder de RH da América Latina do Airbnb, Milena Brentan, apenas 15 minutos de meditação corporativa não são suficientes para combater a estrutura tóxica de algumas organizações.
É preciso fazer três perguntas para saber se o posicionamento da empresa está de acordo com o que ela mostra ser em relação à cultura do trabalho e impactos sociais.
- As práticas internas da empresa estão coerentes com a campanha para fora da empresa?
- Existe uma prática de feedback e conversas honestas, mas respeitosas entre líderes e funcionários?
- A Empresa e líderes estão sendo claros nas metas e estas são cobranças reais e atingíveis?
“Quando a intenção é genuína para se trabalhar equilíbrio, saúde e valores dentro de uma empresa, é preciso que os líderes olhem para dentro e analisem a governança e o funcionamento geral da empresa. É preciso se autoquestionar de forma genuína”, afirma Brentan.
Atenção aos 10 sinais
Além das perguntas, as executivas especialistas em RH, Borges e Bretan, sinalizam 10 sinais de que uma empresa pratica o carewashing. Veja quais são:
- Aposta em políticas de bem-estar superficiais: a empresa promove programas de bem-estar ou saúde mental que parecem impressionantes à primeira vista, mas na prática são pouco eficazes ou acessíveis. “Por exemplo, a empresa pode oferecer meditação ou yoga, mas não aborda a raiz do estresse, como a sobrecarga de trabalho”, afirma Bretan.
- Diz que aposta em diversidade e inclusão, só que não: a proporção de diferentes grupos demográficos na empresa e nas posições de liderança mostram o quanto a empresa verdadeiramente prioriza práticas inclusivas. “A diferença do discurso e da prática está na cara. Eu gosto de dizer que basta olhar a mesa de reunião da diretoria ou na reunião das gerências para constatar o número de mulheres, pessoas com deficiência, pretos, entre outros”, afirma Borges.
- Valoriza o funcionário apenas em marketing: a empresa fala constantemente sobre como valoriza seus funcionários em campanhas de marketing, mas isso não se traduz em práticas internas. “Em muitas empresas pode haver pouca valorização real, como salários estagnados, poucas oportunidades de promoção e uma cultura de trabalho tóxica”, diz Bretan.
- Desconsidera resultados das pesquisas internas: as pesquisas de clima organizacionais ou de engajamento podem apontar as diferenças entre as declarações públicas de uma empresa e os sentimentos reais dos funcionários em relação ao ambiente de trabalho. “Essas pesquisas, por serem confidenciais, mostram a desconexão entre a prática e o discurso”, diz Borges.
- Oferece benefícios difíceis de acessar: a empresa oferece benefícios aparentes, como licenças remuneradas, mas com tantas condições ou barreiras que poucos funcionários conseguem realmente aproveitá-los, afirma Bretan. “Isso cria uma falsa impressão de cuidado, mas na prática, os funcionários não conseguem acessar os benefícios”.
- Acha normal o turnover e absenteísmo: o aumento da taxa de turnover voluntária pode indicar descontentamento dos funcionários, diz a coach, que lembra que um fator importante de observar é o motivo de saída na entrevista de desligamento quando o funcionário alega a má gestão ou falta de suporte. “Altas taxas de absenteísmo podem indicar problemas no ambiente de trabalho, estresse elevado e pressão. O que pode desembocar também em altos índices de sinistralidade, com funcionários doentes por burnout, síndrome do pânico, ataques cardíacos e AVC”, diz Borges.
- Realiza uma comunicação interna contraditória: comunicação desalinhada é tão ruim quanto a falta de comunicação e transparência. “É muito comum ouvir casos de empresas que promovem mensagens de apoio e empatia durante reuniões ou em comunicações oficiais, mas na prática, líderes demonstram comportamentos que contradizem essas mensagens”, diz Bretan.
- Não esclarece a cultura organizacional: a cultura organizacional é moldada pelos valores que são vividos diariamente na empresa. O carewashing pode ter um impacto devastador na cultura organizacional, minando a confiança interna e criando um ambiente onde os funcionários se sentem desvalorizados e desengajados, afirma Borges. “Esse desalinhamento faz com que os funcionários passem a não ter orgulho em pertencer a empresa, uma vez que percebem que os valores proclamados não são vividos na prática”, afirma Borges.
- Oferece respostas vazias a crises: quando surgem crises internas ou reclamações sérias dos funcionários, a empresa emite declarações públicas ou internas que expressam preocupação, mas as ações subsequentes são ineficazes ou inexistentes. “Em muitos casos a empresa nem comunica o time interno, que fica sabendo por meio da mídia”, diz Bretan.
- Falta de transparência nos dados verificáveis: as empresas que praticam carewashing frequentemente evitam compartilhar métricas concretas ou até maquiam as informações em seus balanços e relatórios anuais para ficar “bem na fita” dos sócios, investidores e sociedade em geral.
"A mudança vem justamente de cima para baixo, com executivos que realmente entendem o valor da liderança pelo exemplo e o impacto que suas empresas podem produzir no mercado e na sociedade", afirma Borges.
Fonte: Exame