O governo de Donald Trump continua a implementar algumas de suas propostas de campanha mais polêmicas. Após ameaçar sobretaxar produtos do México e do Canadá, além de impor tarifas sobre produtos chineses, o presidente estadunidense agora decretou uma tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio, medida que deve afetar diretamente o Brasil.
Nas próximas semanas, o governo promete aumentar as taxas sobre as nações que, segundo o próprio, “tiram proveito dos Estados Unidos”. O Brasil, por exemplo, tem tarifas médias de 11% sobre produtos norte-americanos, enquanto os Estados Unidos aplicam tarifas médias de apenas 2% sobre as importações brasileiras.
Muitas dessas ameaças, no entanto, mostraram-se verdadeiras bravatas. No caso do México e do Canadá, as tarifas foram retiradas após a promessa de ambos de “aumentar a vigilância” na fronteira contra a entrada de fentanil e seus insumos —uma ação que pouco tem a ver com política comercial.
O principal ponto é que o governo Trump parece não perceber que essas deliberações, caso sejam efetivamente implementadas, representam um tiro no pé. O efeito imediato do aumento de tarifas, especialmente sobre bens básicos, será uma espiral inflacionária no país. Ao encarecer o aço, por exemplo, toda a cadeia produtiva que depende desse insumo sofrerá reajustes, pressionando os preços finais para o consumidor.
Esse impacto se estende também às commodities, que têm efeito direto no orçamento das famílias menos abastadas. É importante lembrar que, segundo analistas políticos, a inflação foi um dos fatores que mais contribuíram para a queda de popularidade e a derrota do governo democrata de Joe Biden nas eleições.
No âmbito econômico, a ameaça de expulsar milhões de imigrantes também trará consequências. A redução da mão de obra pressionará os salários e o mercado de trabalho, gerando mais inflação pelo lado da oferta. A combinação de tarifas elevadas e restrição de imigrantes cria o cenário perfeito para a escalada inflacionária — que, vale ressaltar, já não é baixa.
Com o aumento da inflação, o Federal Reserve (FED) será forçado a elevar as taxas de juros, o que reduzirá o crescimento potencial da economia norte-americana. Até o momento, porém, não houve um aumento relevante no número de deportações em comparação com o governo Biden, indicando que as ameaças têm sido mais retóricas do que práticas.
Além dos efeitos econômicos, o governo Trump também assume riscos geopolíticos consideráveis. Ao se retirarem de organismos multilaterais e abandonar programas em países em desenvolvimento, os Estados Unidos abrem espaço para a China expandir a sua influência global: Pequim já anunciou a redução de tarifas de importação para países mais pobres, fortalecendo as relações comerciais.
Além disso, o país asiático investe fortemente em infraestrutura na África e já é o principal importador de diversos países latino-americanos. Com a retirada dos Estados Unidos de organismos que atuam nessas regiões, o caminho fica livre para o avanço chinês. O governo de Xi Jinping não poderia receber presente melhor para ampliar o seu soft power — a capacidade de influenciar outros países por meios culturais, ideológicos, diplomáticos e econômicos, sem o uso da força militar.
Outro aspecto preocupante é a possível expulsão de estudantes estrangeiros de países considerados “inimigos”. Essa medida empobreceria as produções acadêmica e científica estadunidenses, reduzindo a inovação e facilitando a atração desses talentos pela China. No campo geopolítico, por sua vez, desestabilizar organismos multilaterais no Leste Asiático também pode sair caro.
O governo Biden havia reestruturado o Quad — aliança entre Estados Unidos, Austrália, Japão e Coreia do Sul — para conter a expansão chinesa, além de retomar negociações com países europeus para fortalecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Se essas alianças forem desfeitas, China e Rússia terão mais liberdade para expandir a sua influência mundial.
No longo prazo, se as ações propostas por Trump forem, de fato, executadas, o resultado pode ser desastroso para os Estados Unidos e para as ambições eleitorais futuras do recém-empossado. Resta saber se o candidato Trump será, de fato, o mesmo que o governo Trump.