A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que o credor que comparece à audiência de conciliação nos casos de superendividamento do consumidor, mesmo sem apresentar proposta de acordo, não pode ser penalizado com as sanções previstas no artigo 104-A, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A decisão foi proferida em recurso especial julgado em abril de 2024 e reverteu entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que havia equiparado a ausência de proposta ao não comparecimento do credor.
Decisão do STJ afasta punição por ausência de proposta em audiência
O julgamento teve origem em ação de um consumidor superendividado. A instituição financeira compareceu à audiência com advogado autorizado, mas optou por não apresentar proposta de repactuação.
O TJRS aplicou penalidades previstas no CDC, alegando que a ausência de proposta equivaleria à ausência injustificada. Entre as penalidades estavam a suspensão da exigibilidade do débito e a inclusão compulsória do credor no plano apresentado pelo devedor.
Recurso do banco foi acolhido pela maioria da 3ª Turma
No recurso especial, o banco sustentou que a presença no ato é suficiente para afastar sanções, mesmo sem proposta. O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, acolheu a tese e conduziu o voto vencedor.
Segundo ele, a obrigação de apresentar plano de pagamento recai sobre o devedor. Assim, não há base legal para exigir do credor uma proposta como condição para evitar penalidades.
Princípios da cooperação e solidariedade não impõem dever de proposta
O relator lembrou que a legislação sobre superendividamento se baseia na proteção do mínimo existencial e nos princípios da dignidade humana, cooperação e solidariedade. No entanto, enfatizou que tais princípios não obrigam o credor a apresentar proposta.
“Como é ônus do devedor a apresentação de proposta conciliatória, ela não pode ser exigida dos credores”, afirmou Villas Bôas Cueva.
Medidas cautelares exigem justificativas específicas
O ministro explicou que, em eventual fase judicial, as medidas cautelares previstas no CDC podem ser aplicadas de forma fundamentada. No entanto, sua aplicação indiscriminada viola o princípio da legalidade.
“Não há respaldo legal para penalizar o credor que comparece à audiência, mas opta por não apresentar proposta de acordo”, concluiu o relator.
Impactos da decisão para credores e consumidores
A decisão do STJ oferece maior segurança jurídica aos credores e reforça o papel ativo do consumidor na apresentação de plano de pagamento. A jurisprudência evita a imposição automática de penalidades e estabelece limites claros para a interpretação do artigo 104-A do CDC.
Para os consumidores, o julgamento destaca a importância de uma proposta bem estruturada, enquanto os credores têm assegurado o direito de participar sem obrigação de firmar acordo imediato.
Contexto legal do superendividamento no CDC
O artigo 104-A foi incluído no CDC pela Lei nº 14.181/2021 e regula o tratamento do superendividamento. A norma visa assegurar ao consumidor condições para renegociar suas dívidas de forma justa e global, preservando o mínimo existencial.
Ela permite audiências de conciliação com todos os credores e prevê sanções apenas para ausências injustificadas, não para recusas a propostas.
Especialistas avaliam como decisão técnica e equilibrada
Especialistas em direito bancário consideram a decisão técnica e alinhada com o texto legal. A advogada Fernanda Mendes afirma que “o julgamento reafirma que o processo de superendividamento não pode ser transformado em obrigação unilateral dos credores”.
Ela acrescenta que a conciliação depende da boa-fé de ambas as partes e que a via judicial permanece aberta ao consumidor em caso de impasse.
Possíveis desdobramentos para ações similares
A decisão do STJ pode orientar julgamentos futuros e levar tribunais inferiores a diferenciarem ausência de proposta de ausência injustificada. Isso pode influenciar práticas adotadas por Procons e câmaras de conciliação em todo o país.
O precedente reforça a necessidade de que os consumidores elaborem planos consistentes e fortalece a previsibilidade nos processos de superendividamento.
Contadores e advogados que atuam com consumidores superendividados devem orientar seus clientes sobre a importância de elaborar um plano de pagamento claro e viável. A decisão do STJ reforça que a responsabilidade de iniciar a negociação é do consumidor, e a ausência de proposta do credor, por si só, não gera penalidades.
Com informações do Conjur