Entre as diversas atividades que têm sido facilitadas pelas plataformas de inteligência artificial (IA), a mais recente (e talvez controversa) é o suporte à saúde mental. Nos últimos meses, milhares de usuários têm experimentado a novidade, usando a tecnologia como um diário, confidente sentimental e até mesmo conselheira amorosa.
O problema desse hábito é que, além de a IA não ser necessariamente capacitada para esse tipo de trabalho, há toda uma preocupação com a proteção das informações pessoais que são compartilhadas nessas plataformas. Afinal, é seguro usar um chatbot como terapeuta particular?
Sem julgamentos
Um dos principais atrativos dos chatbots de IA, como o ChatGPT, é sua capacidade de fornecer um espaço neutro para os usuários falarem livremente. Ao contrário das conversas com amigos, familiares ou até mesmo terapeutas, a interação com um chatbot oferece um contexto onde não há medo de sofrer julgamentos, não receber compreensão ou sofrer estigmatização. Para pessoas com ansiedade, depressão ou fobia social, isso pode diminuir a barreira que as impede de expressar emoções.
Além disso, essas plataformas estão disponíveis 24 horas por dia, o que significa que o suporte está a apenas alguns toques de distância, independentemente da hora ou do local. Isso pode ser especialmente útil para pessoas que trabalham em horários irregulares, moram em áreas remotas ou não têm acesso a uma terapia profissional.
Dependência emocional
Por outro lado, o uso crescente dessa tecnologia para esse fim levanta alguns alertas. Em primeiro lugar, os chatbots não são humanos. Eles podem parecer empáticos e fornecer respostas ponderadas, mas não sentem, entendem ou se conectam da mesma forma que uma pessoa poderia. A interação prolongada e emocionalmente carregada com a IA pode levar a padrões prejudiciais de comportamento, como dependência emocional ou isolamento social.
Um estudo controlado envolvendo mais de mil participantes constatou que indivíduos que usavam regularmente um chatbot como terapeuta relataram um declínio perceptível nas suas interações sociais e um aumento na sensação de solidão.
Além disso, os resultados da pesquisa sugeriram que o tipo de interação é um fator relevante. Pessoas que usavam chatbots apenas para fins de tarefas – como escrever, pesquisar ou melhorar sua produtividade – não relataram esses mesmos efeitos negativos. O problema jazia, sobretudo, na sua utilização enquanto apoio psicológico e emocional.
Uma questão de privacidade
Outra preocupação crítica em torno do uso de chatbots para saúde mental é a privacidade dos dados compartilhados pelos usuários. Conversas de escopo emocional frequentemente envolvem informações altamente sensíveis, como detalhes sobre relacionamentos, traumas, identidade ou sintomas de saúde mental. Ainda que muitas plataformas afirmem anonimizar os dados, sempre há o risco de violações, vazamentos ou uso indevido de tais informações.
É importante ter em mente que ferramentas de IA podem armazenar as conversas desenroladas em suas plataformas para melhorar suas respostas futuras e, embora os usuários nem sempre sejam identificáveis pelo nome, padrões de fala e pistas contextuais ainda podem ser usados para rastrear os indivíduos. Não é impossível, por exemplo, que governos ou serviços terceirizados possam solicitar acesso a esses dados, especialmente em regiões com leis de privacidade digital mais brandas.
Como garantir a proteção dos dados
Ao optar por usar um chatbot como uma forma prática e conveniente de suporte à saúde mental, é fundamental tomar algumas medidas proativas para proteger suas informações pessoais, como:
- Usar uma VPN: uma rede virtual privada (ou VPN) criptografa o tráfego de internet de seus usuários, mascarando seu endereço IP e dificultando que terceiros consigam rastrear suas atividades online. Isso adiciona uma camada de proteção entre o dispositivo usado e o servidor que hospeda o chatbot, fornecendo mais privacidade e segurança.
- Evitar compartilhar informações identificáveis: os usuários devem evitar incluir nomes, endereços ou locais específicos em suas mensagens – caso seja necessário, a melhor opção é inventar dados fictícios. Ao discutir tópicos delicados, o mais indicado é tentar generalizar sempre que possível.
- Revisar as políticas de privacidade: antes de usar qualquer plataforma de IA, é recomendável que os usuários reservem um momento para ler a política de privacidade. Entre os pontos principais a se verificar estão o modo e duração do armazenamento dos dados, seu potencial uso para treinamento de algoritmos e sua possível venda a terceiros.
- Priorizar plataformas com práticas transparentes: alguns serviços de IA oferecem recursos de privacidade aprimorados, como a capacidade de excluir conversas ou optar por não participar da coleta de dados. É aconselhável escolher plataformas que estejam alinhadas com esses valores de privacidade.
- Não acessar chatbots em dispositivos públicos: para manterem uma máxima privacidade, os usuários devem usar esses serviços de IA apenas em seus dispositivos pessoais, preferencialmente sob a proteção de senhas, para garantir que as conversas permaneçam privadas e longe de olhos curiosos.
Balanço final: vale a pena usar?
Não há como negar que os chatbots de IA podem oferecer conforto emocional, especialmente em momentos em que nenhum outro suporte está disponível. Eles podem incentivar a autorreflexão, fornecer técnicas de relaxamento e ajudar as pessoas a expressarem seus sentimentos. Para aqueles que não se sentem preparados para a terapia ou não podem ter acesso a ela devido aos custos ou à logística, um chatbot pode ser um auxílio conveniente até que se possa buscar ajuda profissional.
No entanto, é crucial entender suas limitações. As ferramentas de inteligência artificial não conseguem diagnosticar condições de saúde mental, oferecer tratamento personalizado ou intervir em crises sérias. Se alguém estiver passando por sofrimento persistente, pensamentos suicidas ou sintomas graves de saúde mental, o apoio profissional de um terapeuta ou psiquiatra é indispensável. Muitos profissionais de saúde mental agora oferecem sessões remotas, com preços acessíveis, tornando mais fácil do que nunca o acesso a ajuda qualificada.
Em resumo, a escolha pelo uso dessas plataformas depende de diversas variáveis. Elas podem proporcionar uma sensação de companheirismo, reduzir o isolamento e oferecer estratégias de enfrentamento em momentos estressantes. Mas é preciso estar consciente de que elas não substituem a conexão humana real (nem muito menos o atendimento clínico). Como qualquer ferramenta, seu benefício depende de como – e com que frequência – ela é usada.
Quando usada com moderação e consciência, ela pode ser uma parte útil de uma rotina mais eficaz e ampla de bem-estar mental. Mas os usuários devem permanecer cautelosos com o excesso de confiança nela, garantindo a devida proteção de seus dados pessoais, priorizando acima de tudo seus relacionamentos na vida real e buscando orientação profissional se necessário.
No final das contas, por mais que a tecnologia continue a evoluir e fornecer alternativas mais “convenientes” ao contato com as pessoas, ela nunca conseguirá substituir o valor incalculável de um bom abraço e da legítima empatia humana.