A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal (PF) investigam um esquema de descontos irregulares em benefícios do INSS que pode ter causado prejuízo de até R$ 6,3 bilhões a aposentados e pensionistas entre 2016 e 2024. A operação atinge 31 entidades suspeitas de cobrança sem autorização e levou ao afastamento do presidente do INSS e de servidores envolvidos.
A investigação, que resultou na operação deflagrada em abril, evidenciou irregularidades na cobrança de mensalidades associativas diretamente na folha de pagamento dos beneficiários, sem a devida autorização.
Como funcionava o esquema dos descontos
A mensalidade associativa é prevista legalmente mediante autorização expressa do aposentado ou pensionista, normalmente formalizada pelo aplicativo Meu INSS com uso de biometria ou assinatura eletrônica. Os valores descontados seriam destinados a associações ou sindicatos, em troca de benefícios como assistência jurídica ou médica.
No entanto, auditoria da CGU identificou que, em 98% dos casos analisados, os descontos foram realizados sem o consentimento dos beneficiários. Entre abril e julho de 2023, a CGU entrevistou presencialmente 1.273 aposentados e pensionistas, dos quais apenas 52 confirmaram filiação a alguma entidade, e apenas 31 declararam ter autorizado o desconto.
Segundo o relatório da CGU, das 33 entidades que realizaram descontos, 31 apresentaram indícios de irregularidades. Em 21 delas, a totalidade dos entrevistados negou ter autorizado a cobrança.
Principais entidades envolvidas
Entre as entidades mais citadas na investigação estão:
- Caap (Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS): 214 dos 215 descontos realizados foram considerados irregulares. A entidade não respondeu aos contatos da imprensa.
- Unabrasil (União Nacional dos Aposentados e Pensionistas do Brasil): Teve 72 descontos irregulares identificados. A entidade afirmou que não realizou captação ativa de associados e alegou ser também vítima de eventuais fraudes cometidas por terceiros.
- Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares): Recebeu cerca de R$ 2,9 bilhões entre 2016 e 2023, sendo alvo da investigação. Em nota, afirmou atuar com ética e se colocou à disposição das autoridades.
No total, 19 entidades receberam mais de R$ 15 milhões em descontos entre 2016 e 2024, conforme dados da CGU.
Ação da Polícia Federal e consequências
Em 23 de abril de 2025, a PF cumpriu 211 mandados de busca e apreensão em 34 municípios e prendeu cinco pessoas. A operação resultou ainda no afastamento de Alessandro Stefanutto da presidência do INSS, além de outros cinco servidores.
As 11 entidades mais envolvidas foram selecionadas com base em provas robustas de que, além de falsificarem autorizações de descontos, muitas não tinham infraestrutura real para prestar os serviços prometidos, como academias conveniadas ou planos de saúde.
Em diversos casos, houve a falsificação de assinaturas para justificar os débitos nos benefícios dos aposentados.
Lista das 11 entidades sob investigação
As principais entidades investigadas pela PF são:
- Ambec
- Sindnapi/FS
- AAPB
- AAPEN
- Contag
- AAPPS Universo
- Unaspub
- Conafer
- APDAP Prev
- ABCB/Amar Brasil
- Caap
A maioria dessas associações não respondeu aos pedidos de esclarecimento feitos pela imprensa.
O que dizem as entidades
Algumas das entidades investigadas divulgaram notas em defesa própria. A Master Prev Clube de Benefícios, por exemplo, afirmou que seus processos de filiação seguem rigorosos critérios de segurança, utilizando biometria.
A Unabrasil alegou possuir um programa de compliance robusto e ressaltou que atua regularmente, oferecendo benefícios reais a seus associados.
Já a Conafer destacou que apenas 11% de suas receitas têm origem em descontos de benefícios do INSS e disse confiar na apuração dos fatos pelo Judiciário.
Outras, como a APDAP Prev, Ambec e ABCB, não apresentaram resposta formal até o momento.
Histórico da investigação
A apuração começou em 2023, após denúncias recebidas pela CGU. Diante das evidências de irregularidades e possível prática de crimes, o órgão acionou a Polícia Federal no início de 2024.
Como resposta, o governo federal determinou a suspensão de todos os acordos de cooperação técnica firmados entre o INSS e as entidades envolvidas. A medida visa evitar novos descontos sem autorização.
Como verificar se houve desconto irregular
Aposentados e pensionistas que desejarem saber se foram vítimas do esquema devem acessar o extrato de pagamentos disponível no aplicativo ou portal Meu INSS.
Se identificado desconto suspeito, o beneficiário pode solicitar a exclusão do desconto e exigir o ressarcimento dos valores indevidamente cobrados.
A CGU e a PF orientam que qualquer irregularidade encontrada deve ser formalmente denunciada para facilitar a responsabilização dos envolvidos.
Impacto financeiro e social
Segundo a CGU, os prejuízos podem alcançar R$ 6,3 bilhões, afetando principalmente aposentados e pensionistas que dependem integralmente dos valores recebidos do INSS para subsistência.
O golpe evidencia falhas nos mecanismos de controle do INSS e ressalta a necessidade de modernização dos sistemas de autorização de descontos em benefícios previdenciários.
Especialistas em direito previdenciário alertam que a vulnerabilidade dos aposentados exige políticas mais rígidas de proteção, especialmente contra práticas abusivas de associações e sindicatos.
A investigação sobre descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS expôs um dos maiores esquemas de fraude previdenciária dos últimos anos. Com a suspensão dos acordos e o afastamento de servidores, o governo busca restaurar a confiança no sistema.
Aposentados e pensionistas devem redobrar a atenção e monitorar regularmente seus extratos de pagamento para identificar possíveis descontos não autorizados.
Leia também:Fraude no INSS: veja como funcionava fraude que desviou cerca de R$ 8 bi
CGU suspende parcerias do INSS por descontos ilegais em folha
Aposentado do INSS pode cancelar desconto indevido de associação