A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram a Operação Sem Desconto, que investiga um esquema de descontos indevidos em benefícios previdenciários de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O prejuízo estimado alcança quase R$ 8 bilhões entre 2016 e 2024.
Os valores foram subtraídos mensalmente dos segurados sob a justificativa de cobrança de mensalidades associativas. Em muitos casos, os descontos foram realizados sem autorização dos beneficiários, o que levou à exoneração do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, além do afastamento de outros servidores públicos envolvidos na operação do sistema de pagamentos.
Descontos indevidos no INSS somam quase R$ 8 bilhões
Segundo relatório da PF, o valor fraudado entre 2019 e 2024 soma R$ 6,3 bilhões. Se considerados os dados desde 2016, esse montante chega a R$ 7,997 bilhões. O levantamento mostra um salto expressivo nas cobranças a partir de 2023, quando os descontos atingiram R$ 1,3 bilhão, dobrando em 2024 para R$ 2,8 bilhões.
Os descontos eram realizados com base em Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados entre o INSS e associações diversas, que ofereciam serviços como assistência funerária, consultas médicas e manutenção doméstica. No entanto, a maior parte das cobranças foi efetuada sem o consentimento dos beneficiários.
Como o esquema foi identificado pela CGU
A apuração começou após aumento no número de denúncias de aposentados e crescimento atípico nas adesões a associações. A CGU entrevistou quase 1.300 beneficiários e descobriu que 97% deles não haviam autorizado os descontos.
Foram auditadas 29 entidades com ACTs ativos. Dessas, 70% não apresentaram documentação completa e muitas sequer tinham estrutura para oferecer os serviços prometidos. Além disso, a quantidade de entidades credenciadas saltou de 15, em 2021, para 33, em 2024.
Associações investigadas na fraude
Onze entidades foram alvo de medidas judiciais, incluindo ordens de busca, apreensão e bloqueio de bens. Entre elas estão:
- Ambec (2017)
- Sindnapi/FS (2014)
- AAPB (2021)
- AAPEN (ex-ABSP) (2023)
- Contag (1994)
- AAPPS Universo (2022)
- Unaspub (2022)
- Conafer (2017)
- APDAP Prev (ex-Acolher) (2022)
- ABCB/Amar Brasil (2022)
- CAAP (2022)
Algumas entidades, como a Ambec e a Contag, divulgaram notas afirmando que não atuaram de forma irregular e que estão colaborando com as investigações.
Servidores afastados e impacto político
Além de Stefanutto, outros seis servidores do INSS foram afastados, entre eles o diretor de Benefícios, o coordenador geral de Pagamentos e o procurador-geral junto ao Instituto. A exoneração do presidente ocorreu após pressão do governo federal. Stefanutto havia assumido o cargo em julho de 2023, sucedendo Glauco Wamburg.
O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, afirmou que a nomeação do novo presidente interino será feita nos próximos dias e destacou que o processo será conduzido com cautela para garantir o direito de defesa de todos os envolvidos.
Mandados e valores apreendidos pela PF
Na operação, foram cumpridos 211 mandados judiciais em 14 estados e no Distrito Federal, incluindo seis mandados de prisão temporária. A Polícia Federal apreendeu carros de luxo, joias, obras de arte e dinheiro em espécie de alto valor. Também houve sequestro de bens estimados em R$ 1 bilhão.
Os estados com ações simultâneas incluem São Paulo, Minas Gerais, Alagoas, Amazonas, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe.
Como funcionava o esquema de descontos ilegais
As entidades firmavam ACTs com o INSS, que permitiam descontos automáticos na folha de pagamento dos beneficiários. A autorização deveria ser feita individualmente, com consentimento do aposentado ou pensionista, mas a investigação revelou falhas graves nesse processo, incluindo uso de documentos falsificados e ausência de checagem de autenticidade.
Segundo a diretora de Orçamentos do INSS, Débora Floriano, existem hoje cerca de 6 milhões de descontos ativos, embora nem todos sejam irregulares. A falta de controle, porém, compromete a confiabilidade do sistema.
Auditoria alertou o INSS em 2024
A CGU finalizou uma auditoria em setembro de 2024 e recomendou medidas urgentes ao INSS, como bloqueio dos descontos e revisão dos convênios. No entanto, o órgão continuou autorizando as cobranças, o que intensificou o dano financeiro aos beneficiários.
“O Instituto ignorou alertas oficiais, mantendo os repasses às entidades mesmo diante das evidências de irregularidade”, afirmou nota técnica da CGU.
Medidas adotadas após a operação
Após a deflagração da operação, o INSS anunciou a suspensão de todos os ACTs com entidades e a implantação de medidas de segurança a partir de 2024, como assinatura eletrônica avançada, uso de biometria e limitação dos descontos a 1% do teto do Regime Geral de Previdência Social.
Segundo o órgão, as novas regras entraram em vigor em fevereiro de 2025 e os cancelamentos de descontos vêm crescendo desde então. A expectativa é tornar o sistema mais seguro e rastreável.
Ressarcimento dos aposentados afetados
O governo confirmou que os valores descontados indevidamente serão devolvidos. A primeira restituição, referente ao mês de abril, será paga na folha de maio, entre os dias 26 de maio e 6 de junho.
No entanto, o ressarcimento integral dependerá de análise caso a caso. Será necessário identificar quais descontos foram autorizados e quais foram feitos de forma fraudulenta, o que pode levar tempo e exigir cruzamento de dados cadastrais e bancários.
Fatores que explicam o aumento das fraudes
Especialistas apontam que a proliferação de entidades e os descontos indevidos no INSS foram facilitados por lobbies no Congresso, falhas na fiscalização e indicações políticas para cargos-chave no Instituto. A falta de controle interno e a fragilidade na verificação das autorizações abriram caminho para o golpe.
“É essencial rever os critérios para firmar convênios com entidades associativas e reforçar os mecanismos de autenticação”, afirmou o auditor federal Rafael Rocha, em entrevista à imprensa.
Pontos ainda sem esclarecimento
Ainda não se sabe quem são os responsáveis pelas entidades envolvidas, nem qual o grau de envolvimento de servidores públicos na operacionalização do esquema. Também não está claro se os descontos poderão ser retomados, caso haja autorização expressa dos beneficiários, após o fim das investigações.
Outra questão em aberto é a definição de um novo presidente efetivo para o INSS. Com duas trocas recentes no comando do órgão, o governo busca estabilidade e recuperação da credibilidade institucional.
A fraude com descontos indevidos no INSS comprometeu benefícios de milhões de segurados e gerou prejuízo bilionário. A atuação conjunta da PF e CGU escancarou falhas sistêmicas no controle de convênios e autorizações de descontos.
Para profissionais da contabilidade, é essencial orientar clientes aposentados e pensionistas a monitorar seus extratos no Meu INSS e contestar descontos não reconhecidos. Escritórios que atendem esse público devem reforçar ações preventivas, como conferência mensal de valores creditados e orientação sobre canais oficiais de denúncia.
O Portal Contábeis continuará acompanhando os desdobramentos do caso e atualizando informações sobre o processo de devolução dos valores retidos.
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