A proposta do governo federal de aplicar alíquota de 5% sobre os rendimentos das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) pode comprometer parte relevante do financiamento agrícola, encarecer o crédito rural e impactar diretamente o produtor. Atualmente, as LCAs respondem por quase um terço do crédito destinado à safra 2024/2025, segundo o Banco Central.
Taxação de LCAs pode encarecer o crédito agrícola e afetar o produtor rural
A proposta do governo federal de tributar os rendimentos das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) em 5% tem gerado preocupação no setor produtivo, nos bancos e entre especialistas em investimentos. Se aprovada pelo Congresso, a medida poderá reduzir o volume de recursos disponíveis para o financiamento agrícola, elevar os custos de produção e comprometer a competitividade do agronegócio brasileiro.
As LCAs são instrumentos financeiros emitidos pelos bancos para captar recursos destinados exclusivamente ao financiamento de atividades do setor agropecuário. Ao adquirir esses títulos, o investidor fornece capital ao banco, que posteriormente empresta aos produtores rurais em forma de crédito com prazos e taxas de juros negociados.
LCAs representam quase um terço do crédito agrícola atual
De acordo com dados do Banco Central, as LCAs respondem por 29,1% de todo o crédito agrícola contratado para a safra 2024/2025. Esse percentual, que chegou a 38,9% na safra anterior (2023/2024), evidencia o peso desses papéis no financiamento da atividade rural.
O crescimento da participação das LCAs no funding agropecuário nos últimos anos decorreu, em grande parte, do regime atual de isenção tributária sobre seus rendimentos, o que tornou o produto altamente atrativo para investidores de renda fixa.
Com a eventual criação de um imposto sobre os ganhos — ainda que em uma alíquota inicial de 5% — a atratividade do instrumento pode diminuir, levando a uma redução na emissão de novas LCAs e, consequentemente, no volume de crédito disponível para o setor.
Impacto direto na formação do custo do produtor rural
Segundo José Carlos de Lima Junior, sócio diretor da Markestrat e cofundador da Harven Agribusiness School, um eventual aumento de 1 a 2 pontos percentuais no custo de captação dos bancos pode resultar em elevação de 0,5 a 1,5 ponto percentual no custo final do crédito para o produtor, considerando o mix de prazos praticados.
Ele destaca que o principal problema da medida é justamente o efeito indireto sobre o custo de financiamento de atividades agrícolas, que exigem elevado volume de capital para suportar longos ciclos de produção, desde o preparo do solo até a comercialização da safra.
“A taxação das LCAs impacta diretamente a capacidade dos bancos de captar recursos para financiar o setor agrícola, já que a rentabilidade oferecida aos investidores precisará ser ajustada para compensar o novo imposto”, alerta Lima Junior.
Crédito agrícola depende de funding estável e competitivo
Atualmente, o agronegócio brasileiro depende fortemente de crédito de longo prazo para viabilizar investimentos em tecnologia, mecanização, irrigação, armazenagem e inovação produtiva. Nesse sentido, as LCAs vêm cumprindo papel estratégico ao diversificar as fontes de financiamento disponíveis aos produtores.
Com a possível redução da atratividade das LCAs, os bancos poderiam buscar compensação nos spreads de crédito, encarecendo o financiamento de custeio, investimento e comercialização agrícola.
Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e ex-diretor de commodities da BM&FBovespa, classifica a proposta de tributação como um “tiro no pé”:
“Isso afeta todas as operações de crédito rural e reduz a competitividade da LCA frente a outros papéis bancários, como o CDB. O risco é comprometer a modernização do setor, com reflexo direto na produtividade e na capacidade de inovação.”
Medida soma-se a outras dificuldades já enfrentadas pelo setor
Além do possível imposto, o crédito agrícola já tem sido pressionado por outros fatores recentes de regulação. Em fevereiro de 2024, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ampliou o prazo mínimo de carência das LCAs de 90 dias para 9 meses, o que reduziu a liquidez dos papéis e desestimulou investidores. Posteriormente, o prazo foi ajustado para 6 meses.
Para compensar, o governo aumentou o percentual mínimo de aplicação dos recursos captados via LCA em operações de crédito rural, de 50% para 60%. No entanto, a proposta atual de tributação pode anular parcialmente o efeito das medidas compensatórias anteriores, agravando o risco de redução no volume total de recursos destinados ao agronegócio.
Agronegócio já enfrentava dificuldades financeiras em 2024
O cenário atual já impõe desafios ao setor, que enfrenta dificuldades financeiras em diversas cadeias produtivas, segundo Robson Casagrande, sócio da GT Capital:
“O agronegócio atravessa um ano difícil, com empresas em recuperação judicial. Qualquer restrição adicional na liquidez e na oferta de crédito pode comprometer um setor estratégico para o PIB.”
A redução da disponibilidade de crédito compromete não apenas o custeio das operações agrícolas, mas também investimentos em pesquisa, modernização de equipamentos e ampliação da capacidade produtiva.
Possível efeito indireto nos preços dos alimentos
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também alertou que o aumento dos custos de financiamento pode refletir diretamente nos preços finais dos alimentos.
“A conta será paga pelo consumidor, que receberá o repasse no preço dos alimentos”, afirmou a entidade em nota oficial.
Como o agronegócio brasileiro desempenha papel relevante no abastecimento interno e na exportação de alimentos, eventuais encarecimentos podem ter impactos inflacionários indiretos, além de afetar a competitividade internacional do país.
Proposta ainda depende de aprovação no Congresso
A medida ainda não foi formalizada em projeto de lei enviado ao Congresso Nacional. Segundo o governo, a taxação das LCAs faz parte do conjunto de propostas de aumento de arrecadação previstas para equilibrar o orçamento federal.
No entanto, a tramitação legislativa ainda será necessária, o que abre espaço para negociações políticas e possíveis alterações no formato da proposta antes de eventual sanção.
Diante disso, o setor produtivo permanece mobilizado junto a representantes do Congresso para discutir os efeitos da política tributária sobre o financiamento rural.
Tributação de LCAs faz parte de um movimento fiscal mais amplo
A discussão sobre a tributação das LCAs não ocorre isoladamente. Nos últimos anos, o governo federal já promoveu mudanças em outras modalidades de investimento com isenção tributária parcial ou total, como o FIIs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas.
Para alguns analistas, a taxação dos rendimentos isentos reflete o esforço do governo em ampliar a base tributária sobre o mercado financeiro, reduzindo brechas de isenção e buscando maior equilíbrio na carga fiscal.
No entanto, no caso específico das LCAs, o temor de produtores, cooperativas e instituições financeiras é que a tributação sobrecarregue um elo estratégico do sistema de financiamento agropecuário nacional.
Embora ainda dependa de aprovação legislativa, a proposta de taxar os rendimentos das LCAs em 5% levanta preocupações sobre o futuro do crédito rural no Brasil. A eventual redução de recursos disponíveis, o aumento dos custos operacionais e o possível repasse ao consumidor final colocam o tema no centro do debate econômico.
Contadores, cooperativas, produtores e agentes financeiros precisam acompanhar de perto a evolução da proposta e avaliar seus potenciais impactos na estrutura de financiamento do agronegócio.
Com informações adaptadas do Valor Econômico