A proposta do governo federal de instituir um imposto mínimo de 10% sobre rendas mais altas pode ter efeitos maiores do que o anunciado inicialmente. A taxação de 5% sobre produtos financeiros atualmente isentos, como LCI, LCA e debêntures incentivadas, pode levar esses investimentos a compor a base de cálculo do novo Imposto de Renda para pessoas físicas de alta renda, previsto no Projeto de Lei nº 1087/2025.
Se ambas as medidas forem aprovadas conforme os termos apresentados — o que ainda é incerto — a mudança deve entrar em vigor em 2026 e ampliar o universo de rendimentos sujeitos à tributação, mesmo que indiretamente.
Produtos hoje isentos devem ser incluídos no IR mínimo
A Medida Provisória nº 1.303/2024, que propõe a taxação de 5% sobre determinados investimentos atualmente isentos de Imposto de Renda, foi apresentada em meio à discussão sobre a redução de benefícios fiscais e à tentativa do governo de fortalecer a arrecadação sem elevar alíquotas nominais.
Esses rendimentos, ao deixarem de ser isentos, passam a integrar o escopo do Imposto de Renda Mínimo da Pessoa Física (IRPFM), que prevê uma tributação adicional de 10% sobre rendas consideradas elevadas, conforme o PL 1087/25. Isso ocorre porque o texto do projeto exclui do cálculo apenas os rendimentos isentos ou com alíquota zero. Ao tributar os produtos em 5%, eles deixam de se enquadrar nessa exceção.
Estratégia fiscal e comunicação política geram atritos
O tema ganhou destaque por não ter sido comunicado de forma clara pelo Ministério da Fazenda, o que gerou tensão entre membros do Congresso, especialmente entre parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária e de bancadas que historicamente defendem incentivos a investimentos em infraestrutura e no agronegócio — setores diretamente beneficiados por produtos como LCA e debêntures incentivadas.
Fontes ligadas ao Legislativo avaliam que, mesmo sendo tecnicamente coerente, o movimento pode ser interpretado como uma tentativa do Executivo de ampliar a base tributária “por vias indiretas”, o que pode gerar resistência à aprovação da própria MP ou do PL que cria o novo IR mínimo.
Governo já cogitava incluir investimentos isentos na base
De acordo com interlocutores da equipe econômica, a inclusão de investimentos isentos no IR mínimo já estava nos planos do governo desde a elaboração inicial da proposta. No entanto, houve hesitação em explicitar esse objetivo diante do receio de reações negativas tanto no Congresso quanto no mercado.
A decisão de aplicar a alíquota de 5% veio no contexto da revisão dos chamados "gastos tributários", ou seja, isenções e renúncias fiscais. O discurso oficial é de que a mudança busca promover maior equidade na tributação e evitar distorções entre diferentes formas de investimento.
Especialistas apontam aumento da carga tributária ao longo do tempo
Advogados tributaristas consultados veem a medida como um passo do governo para reestruturar a arrecadação de forma gradual, com impacto crescente ao longo dos anos.
Segundo o ex-diretor da Secretaria Especial da Reforma Tributária e sócio do escritório Loria Advogados, Daniel Loria, os investimentos atingidos pela MP só seriam tributados a partir de novas emissões feitas a partir de 2026. “O impacto arrecadatório será diluído no tempo. Parece que o governo está mirando na estrutura da tributação financeira, não em receita imediata”, afirmou.
Já o tributarista, sócio do escritório Levy & Salomão Advogados, Felipe Salomon, alerta para um efeito de sobreposição: “Deixando de ser isentos, esses rendimentos passam a compor a base do IRPFM. Sendo a alíquota mínima de 10%, e havendo incidência prévia de 5%, a diferença será cobrada pelo novo imposto mínimo”, explicou.
Proposta ainda enfrenta incerteza no Congresso Nacional
A tramitação das propostas no Congresso ainda é marcada por incertezas. A MP 1303/2024, que trata da taxação dos investimentos hoje isentos, pode ser alterada, desidratada ou até perder validade, caso não seja votada em tempo hábil.
No caso do PL 1087/2025, que institui o imposto mínimo de 10% para pessoas físicas com rendimentos elevados, o relator, deputado Arthur Lira (PP-AL), ainda não divulgou publicamente sua posição sobre os pontos mais polêmicos da proposta, incluindo a definição da base de cálculo e os tipos de rendimentos abrangidos.
Segundo fontes da Câmara, o relator estuda elevar o limite de isenção para além dos atuais R$ 5 mil mensais previstos, o que reduziria o número de contribuintes afetados e o impacto político da medida.
Novas regras devem elevar arrecadação no longo prazo
Apesar da resistência política inicial, a combinação entre a taxação dos produtos antes isentos e a criação do imposto mínimo pode representar um aumento expressivo da base tributável de pessoas físicas com maior capacidade econômica.
A longo prazo, a inclusão desses rendimentos ampliará o escopo do IRPFM, permitindo que a Receita Federal arrecade sobre ganhos que, até então, escapavam à tributação, mesmo entre contribuintes de alta renda.
Esse efeito deve ser um dos fatores a serem considerados pela equipe econômica e pelos parlamentares durante a análise do texto final da proposta. Segundo fontes do governo, o tema será parte do debate central sobre a reforma da renda, que promete ser uma das principais pautas econômicas do segundo semestre de 2025.
A tentativa do governo de tributar investimentos antes isentos em 5%, aliada à criação de um imposto mínimo de 10% sobre pessoas físicas de alta renda, revela uma estratégia de ajuste fiscal baseada na ampliação da base tributável sem aumento direto de alíquotas nominais.
Se aprovadas, as mudanças podem alterar significativamente o tratamento fiscal de LCI, LCA, debêntures incentivadas e outros ativos semelhantes, afetando investidores de médio e alto padrão e exigindo atenção redobrada de profissionais contábeis, planejadores financeiros e gestores patrimoniais.
Com informações adaptadas do Jota