O Banco Central (BC) estuda a criação de um teto para a taxa de intercâmbio cobrada nas transações com cartão de crédito. A medida visa reduzir os custos operacionais do comércio, especialmente de micro e pequenas empresas, e deve ser objeto de consulta pública nos próximos meses. A discussão segue os moldes do modelo já adotado para as transações com cartões de débito e pré-pagos, cujas alíquotas foram limitadas em 2023.
A taxa de intercâmbio é uma parcela da tarifa paga pelo lojista às maquininhas de cartão —as chamadas adquirentes— que é repassada aos emissores dos cartões, como bancos. Segundo dados do BC, a média ponderada dessa taxa no crédito foi de 1,68% no primeiro trimestre de 2024. Já o custo total da transação, incluindo outras tarifas e a margem da credenciadora (MDR), alcançou 2,29%.
A iniciativa está sendo discutida no âmbito da Diretoria de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC e foi apresentada pelo diretor Renato Dias de Brito Gomes durante evento da Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), realizado em Brasília no fim de maio.
Comércio defende teto para reduzir custos e ampliar margens
Representantes do varejo apontam que a medida é essencial para aliviar a carga financeira das empresas, sobretudo em um cenário de juros elevados e margens apertadas. “O custo das transações com maquininhas é significativo. O lojista que não aceita cartão perde vendas”, avalia Claudio Felisoni de Angelo, professor da USP e presidente do Ibevar.
Segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), a taxa de intercâmbio representa atualmente mais de 60% do MDR cobrado dos estabelecimentos —percentual que tem crescido ao longo dos últimos anos, mesmo com o aumento da concorrência entre credenciadoras.
Para Paulo Solmucci, presidente da entidade, o teto é necessário porque se trata de uma tarifa não regulada por mercado. “A taxa de intercâmbio é fixada pelas bandeiras de cartão, e representa hoje o maior custo das transações eletrônicas. Ela não é negociável pelos empreendedores”, destaca.
Setor de cartões reage e cobra mais estudos antes da consulta
Apesar do apoio do varejo, a proposta gerou reações entre participantes do mercado de meios de pagamento. A Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), que representa a maior parte dos emissores, bandeiras e credenciadoras, contratou uma consultoria para elaborar estudos técnicos sobre o impacto da medida.
Segundo Ricardo Vieira, vice-presidente da entidade, o anúncio do BC foi inesperado e gerou incertezas. “É um tema complexo. O Brasil tem uma indústria de pagamentos muito atípica. A discussão precisa ser baseada em dados sólidos, caso contrário, cria expectativas e inseguranças que afetam decisões de investimento”, afirmou.
Vieira também questiona se as reduções na taxa de intercâmbio do débito e do pré-pago, implementadas em 2023, de fato beneficiaram o consumidor final. “Não há nenhum estudo no Brasil que comprove esse repasse direto ao preço pago pelo cliente”, argumenta.
Histórico das medidas do BC sobre intercâmbio no débito
Em 2018, o BC estabeleceu um limite médio de 0,5% para a taxa de intercâmbio do débito, com teto máximo de 0,8% por transação. A iniciativa visava incentivar o uso da modalidade e ampliar a inclusão financeira. Posteriormente, em 2023, a autarquia também limitou a taxa dos cartões pré-pagos a 0,7%.
Três anos após a regulação do débito, o BC divulgou o Estudo Especial nº 106/2021, que mostrou uma queda de 32,4% na receita dos emissores com essa tarifa. O levantamento apontou também um aumento no repasse da redução de custos ao MDR, que passou de 16,9% no 4º trimestre de 2018 para 64,3% no 1º trimestre de 2020. No entanto, não foram divulgados dados sobre impacto no preço final ao consumidor.
Mercado teme impactos sobre crédito e parcelamento sem juros
O setor financeiro teme que uma redução forçada na taxa de intercâmbio do crédito possa comprometer a concessão de crédito, especialmente para consumidores de baixa renda, e afetar diretamente o modelo de parcelamento sem juros, amplamente utilizado no Brasil.
“Se a taxa de intercâmbio for reduzida a zero, quem vai querer continuar concedendo crédito ao consumidor sem nenhuma contrapartida?”, questiona Ricardo Vieira, da Abecs. Segundo ele, o subsídio do parcelamento é viabilizado, em parte, pela receita das operadoras com a taxa de intercâmbio.
Além disso, especialistas do setor alertam para o risco de concentração de mercado. Caso a medida reduza drasticamente as margens das operadoras menores, algumas empresas podem sair do mercado, reduzindo a concorrência e encarecendo outros serviços.
Custos variam conforme cartão, transação e volume de vendas
O custo da transação com cartão de crédito para os lojistas não é fixo. Ele varia conforme a credenciadora contratada, o volume de vendas da empresa e o tipo de cartão utilizado pelo consumidor. Cartões com mais benefícios, como os das categorias Platinum ou Black, possuem taxas mais elevadas de intercâmbio, já que financiam os programas de pontos e milhas oferecidos aos clientes.
Outro fator relevante é a forma da transação: pagamentos por aproximação (contactless) tendem a ter custos maiores que os com chip e senha, segundo operadores do setor.
Além disso, lojistas com maior volume de vendas costumam negociar taxas menores com as credenciadoras, enquanto pequenas empresas, que processam menos transações, acabam arcando com percentuais mais altos.
Consulta pública e prazos ainda indefinidos
Até o momento, o BC não confirmou a data de abertura da consulta pública sobre a proposta de limitar a taxa de intercâmbio do crédito. Segundo a Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos), que reúne empresas como PayPal e Stone, não há informações oficiais concretas sobre o conteúdo da medida ou prazos para implementação.
A Abranet, que representa fintechs como PagBank, Mercado Pago e PicPay, declarou manter diálogo permanente com o BC, mas não comentou especificamente o tema.
Internamente, há expectativa de que o diretor Renato Gomes deseje concluir a proposta ainda em 2024, antes do fim de seu mandato, iniciado em 2022. Sua recondução ao cargo dependerá da indicação do atual presidente do BC.
A proposta de estabelecer um teto para a taxa de intercâmbio nas transações com cartão de crédito reabre o debate sobre os custos do sistema de pagamentos no Brasil. De um lado, comerciantes e entidades do varejo defendem a medida como forma de reduzir despesas e estimular a competitividade. De outro, emissores e credenciadoras alertam para impactos potenciais sobre crédito, parcelamento e equilíbrio financeiro do setor.
Enquanto a consulta pública não é oficialmente lançada, o tema seguirá em discussão entre reguladores e participantes do mercado. Para os profissionais da contabilidade, acompanhar esse processo é essencial, já que mudanças no custo das transações afetam diretamente o planejamento financeiro e fiscal de empresas de todos os portes.
Com informações Folha de S. Paulo