A Justiça Federal em São Paulo decidiu manter uma empresa do setor hoteleiro no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) até 31 de maio de 2025, apesar do entendimento da Receita Federal de que o benefício fiscal teria se encerrado em março. A decisão de segunda instância, proferida pela desembargadora Monica Nobre, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), considerou que a comprovação do limite de R$ 15 bilhões de renúncia fiscal só foi tornada pública em maio, postergando a validade do benefício por mais dois meses.
Decisão amplia validade de alíquota zero para tributos federais
Na prática, o entendimento garante à empresa beneficiária a continuidade da alíquota zero de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) até o final de maio de 2025. A magistrada baseou sua decisão na ausência de publicidade imediata por parte da Receita quanto ao atingimento do teto de renúncia fiscal do programa.
“Ainda que a União tenha comprovado que o teto de R$ 15 bilhões foi atingido em março de 2025, a informação só se tornou pública em 21 de maio de 2025”, afirmou a desembargadora no processo nº 5012051-59.2025.4.03.6100. Segundo ela, a legislação vigente determina que os efeitos do encerramento do Perse somente incidem no mês seguinte à divulgação oficial dos dados.
Perse previa benefícios até 2027, mas foi encurtado por nova lei
Instituído pela Lei nº 14.148/2021, o Perse foi criado para apoiar financeiramente os setores de eventos e turismo durante o processo de recuperação econômica pós-pandemia. O programa previa a concessão de alíquota zero de tributos federais até março de 2027, mas teve sua vigência limitada pela Lei nº 14.589/2024, que estabeleceu o encerramento dos benefícios ao se atingir o limite de R$ 15 bilhões em renúncias fiscais.
A Receita Federal declarou, por meio do Ato Declaratório Executivo nº 2, que esse teto teria sido atingido em março de 2025. O relatório apresentado informava que, até fevereiro, haviam sido utilizados 85,6% do montante. A conclusão veio com base em dados extraídos do Painel da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades (DIRBI), no dia 21 de maio.
Governo alega que dados foram apresentados ao Congresso
Em resposta a um pedido feito com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), a Receita informou que os dados sobre o encerramento do Perse foram apresentados ao Congresso Nacional em audiência pública realizada em 12 de março de 2025. Na ocasião, foram utilizados dados declarados entre abril de 2024 e janeiro de 2025, além de valores parciais para fevereiro e março de 2025.
Apesar disso, o Judiciário entendeu que a efetiva comprovação e publicidade do fim do teto só se deu no final de maio, o que postergaria a interrupção do benefício para 1º de junho, conforme a interpretação da legislação vigente.
Impacto fiscal das decisões ainda é incerto
A Delegacia da Receita Federal em Sorocaba, responsável pela gestão de benefícios fiscais, reconheceu que “existem decisões judiciais nos mais variados estágios de defesa que sentenciam contra a RFB no sentido de garantir a fruição do benefício tributário. Algumas, inclusive, pelos meses vindouros”.
Segundo o órgão, ainda não é possível estimar o impacto financeiro dessas decisões nas contas públicas. “Mas, sem sombra de dúvidas, haverá aumento do gasto tributário para além dos montantes apresentados, caso sejam mantidas”, afirmou em nota.
TRF-3 rejeita tese de irredutibilidade do benefício
Embora tenha prorrogado os efeitos do Perse até maio, a relatora Monica Nobre rejeitou o argumento central da empresa de que o programa seria equiparável a uma isenção tributária plena, nos termos da Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal (STF) e do artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN). Caso fosse acolhida essa tese, o governo estaria impedido de revogar o benefício por meio de nova lei.
Para a desembargadora, a revogação está em conformidade com os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, uma vez que a Lei nº 14.589/2024 já previa expressamente a limitação orçamentária de R$ 15 bilhões. “Todos tinham ciência do limite orçamentário estabelecido”, afirmou.
CNC e STF ainda discutem validade do Perse até 2026
Apesar da decisão individual favorável, o tema ainda está sendo debatido em instâncias superiores. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7817 no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade do encerramento antecipado do Perse. A entidade defende a manutenção dos benefícios até, no mínimo, o ano de 2026.
O julgamento da ADI pelo STF pode estabelecer um precedente nacional e definir de forma definitiva os contornos do programa, com impactos relevantes para as empresas beneficiárias e para a política fiscal do país.
Tributaristas acompanham jurisprudência e orientam contribuintes
Especialistas em Direito Tributário recomendam atenção redobrada por parte das empresas incluídas no Perse. Segundo a advogada Larissa Di Stefano, que atua na defesa da empresa beneficiada pela decisão do TRF-3, a intenção é continuar recorrendo para manter a inclusão no programa até 2027, como previsto originalmente na Lei nº 14.148/2021.
“Vamos recorrer para tentar manter a empresa no Perse até o ano de 2027”, afirmou Di Stefano. Ela destaca que outras decisões semelhantes podem ser obtidas judicialmente, dependendo da fundamentação adotada e do momento da divulgação oficial dos dados sobre o teto fiscal.
Incerteza jurídica continua e pode impactar orçamento
A decisão do TRF-3 representa mais um capítulo da disputa judicial em torno da validade e do prazo de encerramento do Perse. Com a continuidade de ações individuais e o julgamento pendente no STF, o tema permanece aberto e de grande interesse para empresas dos setores de eventos, turismo e hotelaria.
Contadores e consultores devem acompanhar de perto os desdobramentos, orientar seus clientes sobre as possibilidades de contestação judicial e manter atenção às mudanças legislativas e decisões judiciais que podem afetar o aproveitamento de incentivos fiscais.
Com informações do Valor Econômico