O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta terça-feira (1º) que benefícios tributários com respaldo constitucional, como os aplicados à cesta básica e ao regime do Simples Nacional, não serão afetados pela proposta de revisão dos gastos tributários. O texto está sendo elaborado pela equipe econômica e será encaminhado ao Congresso Nacional após o recesso parlamentar.
A informação foi confirmada em entrevista concedida por Haddad a jornalistas na entrada do Ministério da Fazenda, em Brasília. Segundo ele, a decisão atende a pedidos de líderes do Legislativo durante reunião ocorrida em 8 de junho.
Benefícios constitucionais ficam fora do corte fiscal
A revisão dos chamados "gastos tributários" — isenções, reduções e outros incentivos que reduzem a arrecadação da União — está entre as medidas previstas pelo governo federal para melhorar o equilíbrio fiscal e cumprir as metas estabelecidas no novo arcabouço.
Contudo, conforme esclareceu Haddad, a proposta respeitará os benefícios garantidos pela Constituição. “Eles pediram para preservar os benefícios constitucionais, e nós vamos fazer uma peça preservando esses setores: os que têm proteção constitucional, o Super Simples e a cesta básica”, declarou o ministro.
O Simples Nacional é um regime tributário simplificado para micro e pequenas empresas e representa parcela significativa dos CNPJs ativos no Brasil. Já a cesta básica inclui itens essenciais de alimentação e higiene que, atualmente, contam com isenção ou alíquotas reduzidas de tributos federais.
Proposta de revisão será enviada após o recesso parlamentar
Segundo o ministro, o projeto de revisão dos gastos tributários será encaminhado ao Congresso Nacional após o recesso legislativo, que se encerra no final de julho. A ideia é consolidar um texto que represente o consenso entre o Executivo e os líderes partidários, evitando tensões políticas e insegurança jurídica.
A manutenção de benefícios como o Simples Nacional e a cesta básica busca garantir estabilidade para setores considerados sensíveis e com ampla capilaridade econômica e social.
Para o público contábil, a sinalização é importante, já que grande parte das empresas atendidas por escritórios de contabilidade se enquadram no regime simplificado e dependem das regras atuais para manter sua viabilidade financeira.
Revisão dos gastos tributários mira benefícios sem previsão legal
Apesar da exclusão de benefícios constitucionais, o governo mantém a intenção de revisar outros incentivos fiscais que não possuem proteção constitucional ou não apresentam retorno efetivo para a economia.
O objetivo, segundo Haddad, é melhorar a eficiência do sistema tributário e reduzir a renúncia fiscal. Estimativas da Receita Federal apontam que o Brasil deixou de arrecadar cerca de R$ 456 bilhões em 2023 com isenções, reduções de base de cálculo e outros benefícios fiscais.
A revisão desses benefícios é parte da estratégia para viabilizar o cumprimento das metas fiscais e consolidar o novo arcabouço orçamentário, em vigor desde 2023.
Ministro evita confronto com o Congresso após revogação do IOF
Durante a entrevista, Haddad também comentou sobre o decreto legislativo que derrubou o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). O ministro afirmou que seria "deselegante" antecipar uma eventual ação da Advocacia-Geral da União (AGU) no Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a medida.
A AGU, comandada por Jorge Messias, apresentaria ainda na terça-feira (1º) uma análise jurídica sobre a legalidade da decisão do Congresso.
Haddad evitou confrontar publicamente o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que criticou a condução do governo e afirmou ter alertado previamente sobre a rejeição ao aumento do IOF. Segundo Motta, o Executivo estaria tentando criar "polarização social" ao culpar o Legislativo.
“Nós estamos respeitando o Congresso”, disse o ministro. “Não sabemos a razão pela qual mudou o encaminhamento que tinha sido anunciado no domingo 8 de junho, mas vamos manter o diálogo para entender melhor o que se passou.”
Simples Nacional e cesta básica são pilares de impacto econômico
A preservação do Simples Nacional na proposta de revisão fiscal é relevante para milhões de micro e pequenas empresas que dependem do regime para manter sua operação. Dados do Sebrae indicam que o regime simplificado responde por mais de 90% das empresas ativas no Brasil e gera cerca de 30% dos empregos formais no país.
Já a cesta básica representa um conjunto de produtos essenciais para o consumo popular, e sua tributação afeta diretamente a inflação, o poder de compra das famílias e os indicadores sociais. Manter sua desoneração é uma estratégia recorrente para evitar impactos regressivos na política fiscal.
Para o setor contábil, a clareza sobre quais regimes e benefícios serão mantidos é fundamental para o planejamento tributário e para orientar clientes quanto a possíveis mudanças. A instabilidade em relação a incentivos fiscais pode afetar a confiança no ambiente de negócios e a previsibilidade das obrigações acessórias.
Caminho político será decisivo na tramitação da revisão fiscal
Apesar do compromisso público com a manutenção de certos benefícios, a proposta de revisão dos gastos tributários ainda será alvo de debate intenso no Congresso Nacional.
A equipe econômica precisa conciliar o equilíbrio das contas públicas com a sensibilidade social e política de cortes em setores estratégicos. A exclusão de benefícios constitucionais da proposta é uma tentativa de evitar resistência imediata de parlamentares e de segmentos com maior poder de mobilização.
O Ministério da Fazenda ainda não detalhou os critérios técnicos que serão utilizados para definir quais incentivos poderão ser eliminados ou revistos.
Impactos esperados para contadores e empresas
Para contadores, a tramitação dessa proposta exige acompanhamento constante, já que alterações nos benefícios fiscais podem mudar significativamente a apuração de tributos federais e a estrutura de cálculo de obrigações acessórias.
Caso a proposta avance com cortes em incentivos não protegidos, será necessário revisar códigos de enquadramento tributário, regras de crédito fiscal, e obrigações no SPED e no eSocial.
Empresas que hoje usufruem de isenções específicas, como em setores industriais ou de serviços, também precisarão avaliar os efeitos da retirada desses benefícios, o que pode impactar preços, margens de lucro e competitividade.
Com informações adaptadas do Estadão Conteúdo