O aumento de tarifas comerciais anunciado pelos Estados Unidos deve afetar diretamente cinco segmentos da indústria brasileira que concentram mais da metade de suas exportações no mercado norte-americano. Juntas, essas áreas movimentaram aproximadamente US$ 4 bilhões em vendas externas para os Estados Unidos em 2024, conforme levantamento da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
A medida foi determinada pelo presidente norte-americano Donald Trump, que anunciou uma sobretaxa de 50% sobre uma série de produtos brasileiros, em meio ao agravamento de disputas comerciais. Os setores mais afetados têm elevado grau de dependência do mercado americano, e o impacto da decisão preocupa empresários, analistas e autoridades estaduais.
Exportações concentradas: cinco setores ultrapassam 50% de dependência dos EUA
Segundo os dados mais recentes, os cinco segmentos brasileiros com maior concentração de exportações para os Estados Unidos, em 2024, foram:
- Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica e materiais semelhantes – 65,4% das exportações destinadas aos EUA;
- Aeronaves e partes aeroespaciais – 61,7%;
- Armas, munições e acessórios – 61,3%;
- Peixes, crustáceos e moluscos – 60,8%;
- Peles com pelo e produtos similares – 54,5%.
Esses segmentos compõem a linha de frente das exportações brasileiras afetadas pelas novas tarifas. A taxa média de participação dos EUA como destino dessas mercadorias varia entre 54% e 65%, o que torna essas cadeias produtivas altamente vulneráveis a medidas protecionistas.
Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará concentram impacto regional
O impacto da sobretaxa não se distribui de forma uniforme entre os estados. Os dados mostram que algumas unidades da federação são mais expostas ao mercado americano. Destaques incluem:
- Espírito Santo: lidera as exportações de pedras ornamentais e materiais de construção, com 84,4% do total embarcado destinado aos EUA;
- São Paulo: responde por 91% das exportações de aeronaves e partes, setor dominado pela Embraer;
- Rio Grande do Sul: lidera a exportação de armas e munições (52,5%) e quase totalidade das peles com pelos enviadas aos EUA (99%);
- Ceará: é o estado com maior dependência do mercado norte-americano em termos proporcionais – 44,9% de todas as suas exportações são destinadas aos Estados Unidos, especialmente no setor de peixes e crustáceos.
Segmentos afetados envolvem cadeias produtivas estratégicas
A indústria de materiais de construção foi a mais impactada. Em 2024, os produtos do setor — como pedras de cantaria, mármores e granitos — movimentaram US$ 802 milhões em exportações para os EUA. O segmento emprega milhares de trabalhadores e tem forte presença em municípios exportadores do Sudeste, especialmente no Espírito Santo.
No setor aeroespacial, as exportações somaram US$ 2,6 bilhões, com destaque para a Embraer. As sobretaxas poderão impactar contratos com clientes norte-americanos e comprometer o desempenho comercial da empresa em 2025.
Já a fabricante Taurus, líder na exportação de armas e munições, é uma das companhias que devem sofrer consequências diretas da medida. O setor movimentou US$ 323,8 milhões no último ano, com 61,3% das vendas destinadas aos Estados Unidos.
Diversificação limitada amplia exposição comercial
Embora o Brasil tenha registrado exportações para mais de 190 países, a dependência em relação ao mercado dos EUA permanece expressiva em segmentos específicos. No total, 30 categorias de produtos destinaram ao menos 25% de suas exportações aos EUA em 2024. Juntas, essas categorias somaram US$ 20,3 bilhões — aproximadamente metade do valor total exportado para o país presidido por Trump.
Segundo a Amcham Brasil, mais de 9.500 empresas brasileiras venderam produtos para os Estados Unidos no último ano. A diversificação de fornecedores não compensou, porém, o grau de concentração das exportações em determinados setores.
Comércio bilateral: Brasil também é importante para os EUA
Do lado norte-americano, alguns segmentos exportam majoritariamente para o Brasil. Dados da base de comércio da United Nations Comtrade revelam que o mercado brasileiro responde por:
- 88% das exportações de fósforo dos EUA para o mundo;
- 81,8% das exportações de compostos químicos derivados de metano, etano e propano;
- 81,5% das exportações de pasta de cacau.
Esses números demonstram que o comércio bilateral é relevante para ambos os países, embora o Brasil assuma uma posição mais vulnerável nas cadeias de valor afetadas pelas novas tarifas.
Especialistas alertam para necessidade de reestruturação da pauta exportadora
Economistas e consultores em comércio exterior avaliam que o tarifaço norte-americano reforça a urgência de o Brasil ampliar sua base de parceiros comerciais e reduzir a dependência de mercados únicos. A concentração das exportações em poucos setores e destinos aumenta o risco fiscal, trabalhista e cambial para empresas e estados exportadores.
Segundo a economista Ana Paula Meirelles, “a política de retaliação tarifária dos EUA escancara a fragilidade de segmentos que deixaram de investir na diversificação de mercados e inovação tecnológica. Isso exige uma resposta coordenada entre governo e setor produtivo”.
Resumo e orientações para empresas e contadores
A decisão dos Estados Unidos de aplicar uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros impacta fortemente setores com elevada dependência do mercado norte-americano. Os segmentos mais afetados são materiais de construção, aeronáutico, armamentista, pesqueiro e curtumes.
Contadores, consultores e gestores devem:
- Avaliar o impacto da medida na cadeia de fornecedores e clientes;
- Identificar oportunidades de redirecionamento de exportações para outros mercados;
- Monitorar contratos internacionais para revisão de cláusulas comerciais e tributárias;
- Acompanhar negociações diplomáticas sobre o tema junto à Camex, MRE e Mdic.
Com informações da Folha de S. Paulo