Postagens nas redes sociais têm divulgado a existência de um suposto “rombo” de R$ 4,3 bilhões no Ministério da Educação (MEC). No entanto, o valor citado refere-se, na verdade, a “distorções contábeis” apontadas em um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), que realizou uma auditoria nas contas do exercício de 2024. Essas distorções não representam, necessariamente, a ocorrência de fraude, mas podem indicar falhas nos controles internos da pasta.
Distorções contábeis não necessariamente caracterizam fraudes, e não são a mesma coisa que um rombo fiscal. O professor de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Robson Zuccolotto, explica que as distorções fiscais estão mais ligadas a falhas de controles internos na entidade.
O MEC negou boatos da existência de um rombo e explicou que “as ocorrências apontadas são de natureza contábil, comuns em processos complexos de gestão, sem caracterizar indício de desvio ou ilicitude, tampouco de prejuízo ao erário”. O ministério destacou que a análise da CGU apontou avanços na gestão financeira e operacional da pasta.
Distorções fiscais x rombos: o que significa cada um?
De acordo com a Norma Brasileira de Contabilidade Técnica de Auditoria, a distorção é a diferença entre o valor divulgado ou apresentado em demonstrações contábeis, com o que deveria ter sido publicado.
Para exemplificar: é quando um auditor, ao analisar registros financeiros de uma instituição, identifica que os dados apresentados são diferentes daqueles que deveriam ter sido divulgados conforme as regras e padrões estabelecidos pela norma fiscal.
E isso pode acontecer por diversos motivos, como falta de controle interno ou até mesmo a dificuldade de gerir uma grande instituição, como o MEC.
“(O valor apresentado pela entidade) acaba não representando financeiramente aquilo que ela deveria representar, é isso que a gente vai chamar de distorção, efetivamente”, explicou o professor de Ciências Contábeis da UFES.
Não necessariamente a distorção significa fraude, mas pode indicar em alguns casos. “Não é sinônimo de desvio de recurso, de corrupção, de fraude ou de um outro ilícito qualquer. A distorção muito mais demonstra que há falhas de controles internos na entidade”, acrescentou Zuccolotto.
Existem casos em que a distorção é originada a partir de uma fraude intencional. Em casos de suspeitas de irregularidades, deve-se iniciar uma investigação. Se as solicitações de aperfeiçoamento não forem atendidas, os gestores podem ser responsabilizados por meio da CGU ou do Tribunal de Contas da União (TCU).
No caso da avaliação referente ao ano de 2024, o MEC informou que as ocorrências do Relatório são de natureza técnica ou contábil, sem qualquer indício de desvio ou ilicitude. O relatório da CGU não descreve casos de fraude identificados (baixe aqui).
Já o rombo fiscal, conhecido como déficit primário, é a diferença negativa entre a arrecadação e os gastos do governo, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida pública.
O que o relatório da CGU apontou sobre o MEC?
O relatório da CGU sobre o MEC identificou R$ 4 bilhões em superavaliações e subavaliações nas demonstrações contábeis do ano de 2024. Foram identificadas treze situações que representam falhas no controle interno da entidade, caracterizadas por avaliações muito acima ou abaixo dos saldos contábeis, classificações contábeis registradas de maneira errada, problemas de apresentação nas informações divulgadas pelo MEC e falhas materiais.
O documento também ressalta divergências nos valores de móveis descritos em um sistema usado para administração financeira com o sistema de controle patrimonial do governo.
Outro pedido do relatório é para que o MEC reavalie os preços de imóveis ligados à pasta. O relatório apontou que cerca de 19,11% dos imóveis de que estão sob a responsabilidade do MEC apresentavam um prazo de reavaliação expirado.
Esses valores não foram atualizados nos últimos cinco anos devido a uma “falta de capacidade operacional interna”, segundo destacou o relatório.
“É muito comum no governo”, explicou Zucolotto. “(Uma entidade) muitas vezes recebe um imóvel transferido, mas não entrou na contabilidade da União, porque tem o processo jurídico”.
“Quando você transfere os riscos e os benefícios do imóvel, a contabilidade deve reconhecer, mas muitas vezes por falha de controle, ela não reconhece. Fica uma distorção”, disse.
Em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) informou que a implementação de reavaliação de bens é um desafio, “já que a implementação de ações depende da articulação entre a administração direta e indireta – incluindo universidades e institutos federais –, instituições que possuem autonomia administrativa e financeira”.
O relatório da CGU ainda traz recomendações para melhorar a eficiência e a eficácia das políticas públicas educacionais, como a revisão da execução do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e do Fundo Garantidor do FIES (FG-FIES). O pedido é que essas melhorias sejam feitas enquanto o modelo de pagamento vinculado à renda do FIES, que está em análise na Câmara dos Deputados, não for implementado.
A auditoria também constatou um aumento expressivo nas provisões de longo prazo, que passaram de R$ 1,2 bilhão em 2023 para R$ 109 bilhões em 2024. A provisão é o reconhecimento de uma dívida que decorre de processos judiciais. Neste caso, faz-se um estudo da probabilidade de perda daquela causa, e a estimativa de quanto será pago.
“(Na provisão) tem o prazo e o valor incertos. Você sabe que ele vai ocorrer, mas não sabe nem quando e nem quanto efetivamente vai ser, apesar de você ter uma estimativa”, explicou o professor.
A Secom esclareceu que o aumento expressivo se deu “à regra que estabelece a inscrição na contabilidade do MEC das demandas judiciais conduzidas pela Advocacia Geral da União relativas ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef)”. Outro motivo, de acordo com a Secretaria, é o “reenquadramento de servidores do ex-território federal do Amapá no Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos (PUCRCE)”.
O professor da UFES explica que o próximo passo é aperfeiçoar os controles e corrigir os levantamentos feitos pela CGU. O processo pode ser lento, pela magnitude da entidade. Outra dificuldade é que esse processo da contabilização é, segundo Zuccolotto, recente.
“No serviço público, as coisas demoram e é tudo muito grande. Mas o importante é que o órgão sinalize que ele está trabalhando para implementar essas essas melhorias”, disse.
Fonte: Estadão Verifica