A elevada carga tributária sobre a folha de pagamento no Brasil tem levado empresas a buscarem alternativas legais para mitigar encargos, especialmente os relacionados ao Risco Ambiental do Trabalho (RAT). Uma das estratégias que vêm sendo exploradas é a redução da alíquota do RAT por meio da alteração do CNAE preponderante, com o objetivo de enquadrar a empresa em um código de menor risco ocupacional e, portanto, de contribuição mais baixa.
Embora possa parecer vantajosa do ponto de vista financeiro, a medida exige análise técnico-jurídica rigorosa, sob pena de autuações fiscais, cobrança retroativa e desconformidade com a legislação previdenciária.
Carga sobre a folha: cenário impulsiona estratégias de reenquadramento
Segundo dados da OCDE, o Brasil está entre os países com maior encargo tributário sobre a folha de pagamento, com uma carga que supera 27%. Diante desse cenário, a busca por alternativas juridicamente seguras de economia tributária tornou-se um ponto central na gestão empresarial.
A possibilidade de rever o grau de risco da atividade principal, com base na composição funcional da empresa, é uma das medidas consideradas por empresas dos mais variados setores, especialmente aquelas que não desenvolvem atividade-fim de risco elevado, como indústrias, mas concentram grande parte da força de trabalho em áreas administrativas ou comerciais.
A lógica por trás do reenquadramento do RAT via CBOs
A estratégia consiste em justificar a mudança do CNAE preponderante com base na predominância de funções com menor risco ocupacional, identificadas por seus respectivos Códigos Brasileiros de Ocupação (CBOs). Assim, mesmo que a atividade econômica registrada implique uma alíquota de RAT mais alta (como 3%), a empresa busca reclassificação para um CNAE com RAT reduzido (como 2%) ao demonstrar que a maioria dos trabalhadores exerce funções de menor risco.
Essa mudança, se válida, pode gerar economias relevantes na contribuição previdenciária sobre a folha, especialmente em organizações com muitos empregados.
Redução do RAT pode trazer ganhos — e riscos
A diferença de 1 ponto percentual na alíquota do RAT, aplicada sobre o total da folha de pagamento, pode representar uma economia significativa ao longo do tempo. Quando essa estratégia é somada ao pedido de recuperação de créditos previdenciários recolhidos a maior em períodos anteriores, o impacto financeiro é ainda mais expressivo.
Contudo, a adoção dessa medida sem o devido embasamento técnico e ajuste formal no cadastro do CNAE principal pode resultar em penalidades severas. A Receita Federal e demais órgãos fiscalizadores têm intensificado a fiscalização por meio do eSocial, que permite o cruzamento automático de dados declarados por empresas, como CBOs, funções exercidas e CNAEs.
Instrução Normativa RFB nº 2.110/2022 define critérios objetivos
A IN RFB nº 2.110/2022, em seu artigo 43, estabelece que o grau de risco da empresa será determinado conforme o CNAE preponderante, que deve refletir a atividade que ocupa o maior número de empregados. Para validar esse enquadramento, a empresa precisa manter documentação comprobatória sólida, como:
- LTCAT (Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho);
- PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário);
- PCMSO e PGR atualizados;
- Organograma funcional e contratos de trabalho;
- Descrição oficial das funções exercidas.
A mera contagem de CBOs sem correlação com a atividade econômica de fato exercida não é suficiente para justificar a alteração do CNAE nem a redução da alíquota do RAT.
Reclassificação sem respaldo pode gerar autuações
A Receita Federal tem autuado empresas que realizaram o reenquadramento do RAT sem atualizar o CNAE principal nos cadastros oficiais. A prática, considerada evasiva, pode levar à:
- Cobrança retroativa de contribuições;
- Multas por descumprimento de obrigação tributária;
- Impactos no enquadramento sindical;
- Invalidade de normas coletivas aplicadas de forma indevida.
Além disso, pedidos de recuperação de créditos previdenciários com base em reenquadramentos inconsistentes são frequentemente negados, o que reforça a necessidade de cautela.
eSocial amplia capacidade de cruzamento e fiscalização
O eSocial centraliza atualmente as informações que antes eram prestadas em diversas obrigações acessórias, como GFIP e CAGED. Com isso, a Receita consegue verificar, com precisão, se há coerência entre o CNAE declarado, o número de empregados por CBO e a natureza da atividade econômica efetivamente exercida.
A incongruência entre dados cadastrais e operacionais tende a disparar alertas no sistema e gerar fiscalização automática. O uso indevido do reenquadramento pode ser entendido como planejamento tributário abusivo ou tentativa de sonegação.
Alteração do CNAE exige análise técnica e planejamento estratégico
Para que a estratégia de reenquadramento do RAT seja juridicamente segura e eficaz, a empresa deve:
- Realizar diagnóstico técnico-operacional completo;
- Contar com laudos e relatórios assinados por profissionais habilitados;
- Atualizar o CNAE principal nos registros oficiais da empresa;
- Analisar os efeitos da mudança em negociações coletivas e obrigações acessórias;
- Buscar suporte jurídico e contábil especializado.
A decisão não pode ser apenas contábil — deve envolver visão multidisciplinar, com conhecimento da legislação previdenciária, trabalhista e fiscal.
O reenquadramento do RAT como estratégia de redução de encargos previdenciários é legítimo quando embasado em dados reais, documentação robusta e alteração formal do CNAE. Contudo, a adoção precipitada e sem respaldo técnico pode expor a empresa a sanções fiscais e riscos trabalhistas.
Contadores, advogados e consultores devem orientar seus clientes com base em:
- Critérios legais objetivos (IN RFB nº 2.110/2022, art. 43);
- Documentos técnicos que reflitam a realidade operacional;
- Atualização cadastral formal nos órgãos competentes;
- Análise de impacto sobre a estrutura sindical e convenções coletivas.
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