À medida que a reforma tributária avança no Congresso, empresas têm recorrido à Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios (Sejan) da Advocacia-Geral da União (AGU) para esclarecer dúvidas sobre a aplicação prática das novas regras, especialmente em relação a benefícios fiscais para medicamentos, uso de créditos de PIS e Cofins e direitos de crédito sobre benefícios oferecidos a empregados.
Os questionamentos foram formalmente encaminhados por entidades setoriais como Abafarma, CNSaúde e CNT, e buscam garantir que a regulamentação da reforma preserve a segurança jurídica das empresas diante de inseguranças interpretativas e lacunas na Lei Complementar nº 214/2025 e no PLP 108/2024, ainda em tramitação no Senado.
Benefício fiscal para medicamentos sem prescrição está em discussão
Um dos principais questionamentos apresentados à AGU envolve a abrangência da alíquota reduzida para medicamentos prevista na reforma. A Lei Complementar nº 214/2025 determina redução de 60% nas alíquotas de CBS e IBS para medicamentos “registrados” na Anvisa.
A Abafarma argumenta que o termo “registrado” pode excluir medicamentos isentos de prescrição, como analgésicos e antiácidos, que são regularizados ou notificados na Anvisa, mas não registrados. A entidade sugere alterar a redação da lei para contemplar o termo “regularizado”, tornando o alcance do benefício mais amplo e aderente à realidade do setor.
“Com certeza não foi intencional a restrição à tributação favorecida”, afirmou Oscar Yazbek Filho, presidente-executivo da Abafarma, destacando que muitos desses medicamentos são usados há décadas e possuem baixo risco à saúde.
Créditos de PIS e Cofins reconhecidos judicialmente geram incerteza
Outro ponto levado à AGU foi apresentado pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) e trata da compensação de créditos de PIS e Cofins reconhecidos judicialmente após 2026, ano em que essas contribuições sociais serão extintas e substituídas pela CBS.
Segundo o advogado Breno Vasconcelos, que representa a CNSaúde, há preocupação de que decisões judiciais transitadas em julgado após dezembro de 2026 não possam ser compensadas, especialmente se o sistema de escrituração EFD-Contribuições for desativado.
“É uma preocupação que afeta todos os setores, não apenas a saúde”, ressalta Vasconcelos. Segundo fonte técnica, esses créditos continuarão a existir, mas a forma de aproveitamento ainda não foi definida e dependerá da regulamentação futura.
Fim de créditos para benefícios concedidos a empregados também é debatido
A Confederação Nacional do Transporte (CNT) apresentou questionamento sobre a possibilidade de geração de créditos de PIS e Cofins relacionados a despesas com plano de saúde, vale-refeição, vale-transporte e vale-alimentação oferecidos gratuitamente aos trabalhadores.
Segundo Alessandra Brandão Teixeira, advogada da CNT, há uma injustiça fiscal em permitir o crédito para empresas que cobram esses benefícios dos empregados, mas negar o mesmo direito a quem oferece os benefícios de forma gratuita.
“Pode haver desestímulo à concessão de transporte regulamentado, já que quem contrata serviço tributado terá crédito e quem concede gratuitamente, não”, alerta.
Em relação ao vale-transporte, a situação se agrava porque o transporte urbano é isento, impossibilitando a geração de crédito mesmo quando a despesa é recorrente e obrigatória para empregadores.
Debate técnico indica risco de judicialização dos temas
Embora ainda se espere por ajustes regulamentares, técnicos ouvidos pelo jornal Valor Econômico indicam que alguns desses pontos já estão sendo estruturados como teses jurídicas para eventual judicialização.
No caso dos créditos para benefícios a empregados, o Congresso Nacional permitiu a geração de crédito quando o benefício for exigido por acordo ou convenção coletiva, mas não há previsão para concessões por liberalidade do empregador, o que poderá ser questionado judicialmente sob o argumento de falta de isonomia entre empresas.
“Está na cara que já tem tese pronta para judicializar”, disse um técnico da área tributária, ressaltando que a ausência de resposta normativa clara pode estimular ações judiciais.
AGU e Ministério da Fazenda avaliam as dúvidas
Todos os questionamentos já foram formalmente encaminhados à Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (Sert), vinculada ao Ministério da Fazenda, e estão sob análise. Após essa etapa, os temas serão discutidos com os representantes da Sejan/AGU, antes da devolutiva aos contribuintes.
A ideia, segundo a AGU, é garantir que nenhuma empresa fique sem resposta e que eventuais ajustes sejam incorporados ao processo regulamentar do novo sistema tributário.
Procurado, o Ministério da Fazenda informou que não irá se manifestar sobre os itens enquanto o PLP 108/2024 estiver em tramitação no Senado.
A reforma tributária em construção tem mobilizado contribuintes e entidades setoriais a buscarem respostas antecipadas da AGU sobre a aplicação das novas regras. A ausência de definições claras quanto a benefícios fiscais, créditos tributários reconhecidos judicialmente e incentivos ao bem-estar dos trabalhadores pode gerar insegurança jurídica e judicialização em massa.
Para evitar riscos, empresas e contadores devem acompanhar de perto a tramitação da regulamentação, documentar seus processos e, sempre que possível, buscar orientação jurídica especializada para interpretar as novas regras dentro da realidade de seu setor.