O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, na última sexta-feira (1º), o julgamento com repercussão geral que vai definir a partir de quando os Estados podem cobrar o Difal do ICMS — o diferencial de alíquotas entre o Estado de origem e o de destino de mercadorias vendidas a consumidores finais não contribuintes.
A análise ocorre no Plenário Virtual da Corte e tem previsão de encerramento nesta sexta-feira (8). O julgamento gira em torno da aplicação dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal para a cobrança do imposto, com impacto estimado de R$ 9,8 bilhões, caso os Estados não possam exigir o tributo retroativamente.
O que está em jogo
O Difal do ICMS foi instituído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015, para equilibrar a arrecadação entre os Estados em operações interestaduais destinadas a consumidores finais. No entanto, apenas em 4 de janeiro de 2022 foi sancionada a Lei Complementar (LC) nº 190, que regulamentou a sistemática de cobrança.
Com isso, o STF precisa decidir se as legislações estaduais editadas antes da LC 190 permanecem válidas e se a exigência do Difal pode ocorrer ainda no ano de sua regulamentação ou apenas a partir do exercício seguinte, 2023.
A questão é relevante principalmente para o varejo digital, que concentra a maior parte das vendas interestaduais diretas ao consumidor final. Já os Estados defendem a validade da cobrança desde abril de 2022, conforme o artigo 3º da LC 190.
Votos indicam cobrança válida a partir de abril de 2022
Até o momento, o julgamento conta com três votos. O relator, ministro Alexandre de Moraes, defendeu a validade das leis estaduais editadas após a EC 87/2015, desde que compatíveis com a LC 190, permitindo a cobrança do Difal a partir de 4 de abril de 2022 — após o prazo de 90 dias previsto na Constituição para a entrada em vigor de normas que instituem ou majoram tributos.
O ministro Nunes Marques, que havia inicialmente pedido destaque e levado a ação ao Plenário físico, retirou o pedido em junho e, ao votar, acompanhou integralmente o relator.
O ministro Flávio Dino também seguiu o voto de Moraes, mas propôs a modulação dos efeitos da decisão. Para Dino, o diferencial não pode ser exigido de contribuintes que ajuizaram ação judicial até 29 de novembro de 2023 (data do julgamento da ADI 7066) e deixaram de recolher o tributo em 2022.
Repercussão do Tema 1093 e origem da discussão
A controvérsia atual decorre da decisão do próprio STF no Tema 1093 de repercussão geral, que fixou a obrigatoriedade de lei complementar para viabilizar a cobrança do Difal. Essa decisão invalidou tentativas anteriores dos Estados de instituir a cobrança com base apenas em legislações estaduais, sem respaldo em norma geral nacional.
A partir da promulgação da LC 190/2022, iniciou-se a discussão sobre a aplicação dos princípios da anterioridade — tanto anual quanto nonagesimal — na cobrança do diferencial.
A regra da anterioridade anual impede que um tributo seja exigido no mesmo exercício da norma que o criou, enquanto a anterioridade nonagesimal exige o cumprimento de um prazo mínimo de 90 dias após a publicação da lei.
Caso concreto que chegou ao STF
O recurso analisado pelo STF (RE 1426271) teve origem em um mandado de segurança impetrado pela varejista ABC da Construção, com sede no Ceará. A empresa busca afastar a cobrança do Difal até janeiro de 2023, com base na anterioridade anual, argumentando que a LC 190 apenas instituiu o tributo em 2022.
Após sentença desfavorável na primeira instância, a empresa teve decisão favorável no Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), mas o Estado recorreu ao STF.
Durante sustentação oral, o advogado da empresa, Bruno Tourino Damata, reforçou que a cobrança ainda em 2022 violaria os princípios constitucionais, gerando aumento da carga tributária sem a devida previsão orçamentária. Ele defendeu, ainda, a aplicação de modulação de efeitos, caso o pedido principal seja rejeitado.
Impacto nas empresas e no contencioso tributário
A definição do STF tem potencial para gerar efeitos relevantes no setor varejista e no planejamento tributário de empresas que realizam vendas interestaduais. Escritórios de advocacia relatam aumento expressivo na judicialização envolvendo o Difal do ICMS desde 2022.
Segundo o sócio da área tributária do TozziniFreire Advogados, Bruno Rodrigues Teixeira de Lima, o julgamento pode obrigar os Estados a revisarem suas legislações locais para se adequarem à LC 190.
No escritório, Lima relata dezenas de mandados de segurança ajuizados contra Estados como Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pará. As ações buscam limitar a exigência do Difal com base na anterioridade anual e evitar cobranças retroativas.
Possível modulação de efeitos
A proposta de modulação apresentada pelo ministro Flávio Dino poderá alterar os efeitos práticos da decisão. Caso aprovada pela maioria da Corte, a cobrança do Difal em 2022 poderá ser vedada aos contribuintes que tenham ajuizado ações judiciais até 29 de novembro de 2023 e que não recolheram o imposto naquele exercício.
Contudo, a modulação ainda não foi acolhida pelo relator. O desfecho depende dos votos restantes dos ministros e deve ser conhecido até o encerramento da sessão virtual.
O julgamento em curso também dialoga com outro precedente relevante. Em maio, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Difal do ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. Apesar de o contribuinte poder ser ressarcido por recolhimento indevido, a decisão não interfere diretamente na data de exigibilidade do Difal, mas reforça a complexidade da tributação nas operações interestaduais.
A Procuradoria-Geral do Estado do Ceará informou, por meio de nota, que acompanha o processo “no aguardo de decisão para que, a partir dela, haja nova movimentação”. Os demais Estados também acompanham o julgamento com atenção, em razão dos impactos financeiros e da possível necessidade de adequação legislativa.
Impacto da decisão no planejamento tributário
A decisão do STF sobre o marco temporal para início da cobrança do Difal do ICMS será determinante para o planejamento fiscal de empresas que realizam vendas interestaduais para consumidores finais.
Além de definir se há exigibilidade em 2022 ou apenas em 2023, o julgamento indicará se os contribuintes que ajuizaram ações até 2023 poderão ser dispensados da cobrança retroativa.
Contadores, advogados tributaristas e profissionais de compliance fiscal devem monitorar o resultado com atenção, considerando os reflexos financeiros, operacionais e de conformidade com o Fisco estadual.
Com informações adaptadas do Valor Econômico