Empresas têm conseguido no Judiciário decisões que contrariam o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o prazo de cinco anos para compensação tributária, afastando esse período graças à falta de uma interpretação uniforme sobre o tema.
Na prática, os julgados autorizam que os contribuintes utilizem o tempo que for necessário para realizar o encontro de contas e esgotar seus créditos. É necessário que eles apresentem apenas a primeira declaração em até cinco anos da decisão definitiva que reconhece os valores. De acordo com informações do Jota, que teve acesso a dois julgados favoráveis aos contribuintes que envolvem a “tese do século”, por meio da qual o Supremo Tribunal Federal (STF) excluiu o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), mas a discussão sobre o limite temporal para compensação pode tratar de diversas controvérsias tributárias.
Para especialistas, a questão vai muito além da compensação dos créditos em si e envolve a segurança jurídica e a necessidade de aperfeiçoamento do sistema de precedentes no Brasil. A 2ª Turma do STJ alterou em maio, de modo contrário ao contribuinte, o entendimento sobre o tema, para limitar a compensação. Como não há uma decisão do STJ em recurso repetitivo ou do STF em repercussão geral, que obrigaria as demais instâncias a seguir o entendimento da Corte Superior, contribuintes não têm confiança de que conseguirão utilizar os valores de que dispõem para pagar outros débitos.
O Índice de Segurança Jurídica e Regulatória (Insejur), criado pelo JOTA em parceria com professores do Insper para avaliar a percepção do setor privado sobre a segurança jurídica e regulatória no Brasil, mostra que 89% dos stakeholders de grandes empresas consideram que o sistema tributário não é estável. Além disso, 86% afirmam que as decisões judiciais não são consistentes.
Entenda a discussão do prazo para compensação tributária
A discussão envolve o artigo 106 da Instrução Normativa RFB 2.055/202, que estabelece um prazo de cinco anos, contados da data do trânsito em julgado da decisão que reconhece o crédito tributário, ou seja, quando não cabem mais recursos e esta se torna definitiva, para que o contribuinte apresente a declaração de compensação tributária. Há uma suspensão desse prazo apenas entre o pedido de habilitação, que reconhece o crédito, e a data da ciência do seu deferimento pela Receita Federal. O ato normativo não especifica se o período de cinco anos é apenas para a primeira declaração de compensação tributária.
Na primeira decisão, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) atendeu ao pedido de uma empresa do setor de alimentos para permitir que ela apresente novas declarações para o mesmo crédito judicial da “tese do século” após o prazo de cinco anos. Em acórdão de 8 de julho, a relatora, desembargadora federal Consuelo Yoshida, afirmou que, pelo artigo 106 da IN RFB 2.055/2021, esse prazo deve ser observado somente para a primeira declaração de compensação tributária, e não quando há outras referentes ao mesmo crédito. A magistrada ressaltou que não há previsão legal para que as próximas não possam ser protocoladas após esse período. O processo é o 5003160-32.2024.4.03.6128.
O advogado que representa a empresa de alimentos, Thiago Cerávolo Laguna, sócio do Dib, Almeida, Laguna e Manssur Sociedade de Advogados, ressaltou que um dos pontos de destaque da decisão do TRF3 envolvendo o prazo de cinco anos para a apresentação da declaração de compensação tributária é o fato de a desembargadora aplicar o artigo 74-A, parágrafo 2º, da Lei 9.430/1996, com redação dada pela Lei 14.873/2024.
A nova legislação limitou as compensações de créditos judiciais justamente após a avalanche de processos pedindo a compensação tributária de valores da “tese do século”. É necessário ter um um valor mínimo de R$ 10 milhões para ser compensado, e o piso mensal para o encontro de contas é de 1/60 avos, ou seja, 20% do valor ao ano. Com a limitação, o dispositivo em questão deixa claro que “a primeira declaração” deverá ser apresentada em até cinco anos do trânsito em julgado, não todas.
Laguna ressalta que, embora a nova lei trate dos créditos acima de R$ 10 milhões, o TRF3 aplicou favoravelmente ao contribuinte, que tem um valor da causa estimado em R$ 50 mil.
“O acórdão entende que o contribuinte tem de ser tratado com igualdade. Se há uma série de compensações, e a primeira declaração é apresentada no prazo, está resguardado o direito a todo o valor”, afirma o advogado.
Na decisão, a desembargadora federal Consuelo Yoshida reconhece que a 2ª Turma do STJ, em maio de 2025, por meio do REsp 2.178.201, alterou o entendimento de modo contrário aos contribuintes. No entanto, a desembargadora ressalta que, como o julgado não é de observância obrigatória pelos tribunais, uma vez que não ocorreu em sede de recursos repetitivos, a aplicação do novo artigo 74-A, parágrafo 2º, da Lei 9.430/1996, “independentemente do montante a ser compensado”, parece ser a solução mais adequada, representando “isonomia e razoabilidade”.
Em julgados anteriores, como o REsp 1.469.954, de 2015, a 2ª Turma do STJ tinha jurisprudência firmada de que o prazo era apenas para pedir a compensação, e não para realizá-la integralmente.
Com base no CTN, TRF4 também afasta limite para compensação tributária
Em um segundo caso de 31 de julho, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) também deu ganho de causa ao contribuinte, uma empresa do setor têxtil, para definir que, uma vez habilitados os créditos judiciais perante o fisco dentro do prazo de cinco anos desde o trânsito em julgado, o valor pode ser compensado até o seu exaurimento, sem limitação do prazo prescricional. Trata-se do processo 5036230-95.2024.4.04.7200, relatado pelo desembargador federal Marcelo de Nardi.
O magistrado não cita o recente julgado do STJ sobre o prazo de cinco anos para a declaração de compensação tributária, mas conclui que a jurisprudência do TRF4, com base no artigo 168, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN), “declara que o prazo de cinco anos é limite para que seja iniciada a compensação” e que não há “tempo máximo para o aproveitamento total” do crédito. De acordo com o dispositivo do CTN, no caso de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o direito de pleitear a restituição se extingue em cinco anos, contados “da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial”.
Cenário de insegurança jurídica impulsiona judicialização
A tributarista sócia da FF LawD, Thaís Folgosi Françoso, afirma que, ao longo do tempo, a legislação sobre o tema passou por modificações com o objetivo de limitar o direito do contribuinte, seja porque é mais fácil fiscalizar, seja para evitar perda de arrecadação. A jurisprudência, antes favorável ao contribuinte, foi alterada pela 2ª Turma do STJ. Porém, como não há um precedente dos tribunais superiores de cumprimento obrigatório, diz, o cenário envolvendo o prazo de cinco anos para apresentação da declaração de compensação tributária é de insegurança jurídica e de incentivo ao contencioso.
“O cenário de segurança jurídica para o contribuinte é péssimo, o que aumenta a judicialização. A gente tem visto uma fuga para o Judiciário para garantir a compensação. Ele tenta enviar a declaração, recebe o indeferimento, e entra com mandado de segurança”, afirma Françoso.
A advogada observa que o cenário de incerteza obriga o contribuinte a atuar de modo mais estratégico e a planejar a gestão dos créditos tributários desde o seu reconhecimento na Justiça. Ele deve compará-los com o montante de débitos que possui e, se identificar que não é possível compensar em cinco anos, pode optar pelos precatórios. O problema, neste caso, é que, enquanto a compensação é pedida na via administrativa, os precatórios envolvem necessariamente um processo judicial, o que é custoso e demorado e está sujeito a uma fila de pagamento que pode perdurar por décadas.
A tributarista Mônica Pereira Coelho, sócia do Barros de Arruda Advogados, observa que a virada de jurisprudência na 2ª Turma do STJ não considerou a Lei 14.873/2024, que trata especificamente da necessidade de apenas a primeira declaração ser apresentada no prazo prescricional.
A advogada cita ainda que a Portaria Normativa MF 14/2024, que regulamentou o tema. No artigo 1º, parágrafo 1º, inciso VI, a norma determina que créditos com valor igual ou superior a R$ 500 milhões devem ser compensados no prazo mínimo de 60 meses. Ou seja, o prazo de cinco anos passa a ser o mínimo, não o máximo. Sob outra perspectiva, Coelho interpreta que a portaria do Ministério da Fazenda reconhece a ilegalidade do artigo 106 da Instrução Normativa RFB 2.055/2021, que trata o período de cinco anos como limite.
“O julgado do ministro Francisco Falcão, na 2ª Turma do STJ, não analisou a nova legislação. Ele traz preocupação para contribuintes, mas por enquanto é um entendimento isolado da matéria”, diz Coelho, que também ressalta a necessidade de harmonização da jurisprudência sobre o assunto.
Fonte: Jota