A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) está mapeando pontos da reforma tributária do consumo que tenham potencial de gerar judicialização. Segundo a procuradora-geral, Anelize Ruas de Almeida, a forma de cobrança de dívidas da Contribuição sobre Bens e Consumo (CBS) e do Imposto Sobre Bens e Consumo (IBS), a competência para julgar os dois tributos e a repartição das receitas entre os entes federados estão entre os pontos com grande potencial de gerar judicialização e que ela defende que sejam ajustados para diminuir o potencial de litigância no novo sistema.
“A regulamentação é um ponto decisivo para evitar litígios. Quanto mais fiel à norma ela for, quanto menos ela inovar, do ponto de vista de criar obrigações ou limitar direitos que estão na lei complementar, melhor”, afirmou Almeida ao JOTA.
A procuradora informou que a PGFN tem atuado em parceria com a Receita Federal e com as procuradorias estaduais e municipais para interpretar as novas regras tributárias. O objetivo é aplicá-las de forma harmônica e reduzir o risco de contencioso sobre a reforma. Para ela, porém, seria importante ter mudanças no PLP 108/2024, em tramitação no Senado Federal.
Entre as propostas defendidas por Almeida está a alteração na função do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias, para que ele deixe de ser apenas consultivo, e a redução no prazo máximo de um ano para a inscrição de débitos na dívida ativa.
Almeida ressaltou que a reforma tributária do consumo tem como princípios e pilares a transparência, a simplicidade e a redução de litígios. Com a definição da mesma base de cálculo para a CBS e o IBS, a não cumulatividade ampla, o sistema de cashback e o split payment em pleno funcionamento, disse, resolvem a maior parte dos conflitos.
No entanto, na hora de tirar a reforma do papel e colocá-la em prática, novos desafios devem surgir envolvendo as questões processuais e o funcionamento do novo sistema.
Cobrança da dívida pode causar litígio
No que diz respeito à cobrança da dívida, a procuradora-geral disse que, se nada mudar, a PGFN manterá o padrão atual de cobrança para a CBS, tributo de competência da União. Ou seja, a CBS será cobrada na Justiça Federal, e o débito será inscrito em dívida ativa. O problema, observou, é que a Justiça Federal muitas vezes trabalha em uma velocidade diferente da dos Tribunais de Justiça estaduais. Desse modo, como a CBS e o IBS, de competência estadual e municipal, incidem sobre o mesmo fato gerador, o contribuinte poderá sofrer cobranças em diferentes esferas correndo em ritmos diferentes.
“E como vou reconhecer eventualmente a responsabilidade tributária pelo pagamento da CBS de um grupo econômico sem olhar para o IBS, se o fato gerador é o mesmo? Essas são questões que me preocupam imensamente e estão sendo debatidas dentro do âmbito da PGFN”, afirmou Almeida.
Quanto à repartição das receitas da CBS e do IBS, a procuradora-geral também enxerga potencial judicialização, principalmente entre estados e municípios. “Quem é o titular do crédito [de IBS]. É o Comitê Gestor do IBS ou são os entes subnacionais. Esse é um litígio que pode aparecer”, disse.
Por fim, Almeida avalia que a competência para julgar tanto administrativa quanto judicialmente as controvérsias envolvendo os novos tributos será outro ponto de conflito judicial. Por exemplo, a procuradora-geral questiona se uma rede varejista desenvolver negócios com todos os estados e municípios, ela terá de litigar com todas as fazendas municipais e estaduais? Ou somente com o Comitê Gestor do IBS?
No que diz respeito à falta de integração para a cobrança e o julgamento dos novos tributos, em relatório apresentado em abril de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a instituição da CBS e do IBS podem triplicar o contencioso judicial. De um lado, cada titular do crédito tributário (estado, município e União) moverá execução fiscal envolvendo um mesmo fato gerador. De outro, pode haver uma multiplicação de ações por parte dos contribuintes, uma vez que cada impugnação deverá ser direcionada também contra estado, município e União.
Regulamentação da reforma tributária
A procuradora-geral defende alterações no PLP 108/2024, que cria o Comitê Gestor do IBS e regulamenta o julgamento administrativo do tributo. O texto, aprovado na Câmara dos Deputados em novembro de 2024, pode ser votado em setembro no Senado.
Entre as mudanças defendidas pela PGFN no PLP 108/2024, Almeida destaca alterações na função do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias. O artigo 111 do projeto de lei define que, para realizar sua atividade, o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias ouvirá obrigatoriamente o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias. O problema, diz a procuradora-geral, é justamente o fato de o fórum ser apenas consultivo. Ela defende que ele passe a ter legitimidade para demandar o Comitê de Harmonização, e não apenas forneça informações a ele.
Almeida afirma ainda não se opor ao pedido da sociedade civil para integrar o Comitê de Harmonização. Ela destaca que o papel do Comitê e do Fórum é de harmonizar as normas e criar jurisprudência administrativa e que parece ser limitante ter o ponto de vista apenas do ator fiscal.
Outra proposta da PGFN é alterar o prazo de um ano fixado no PLP 108/2024 para que débitos tributários sejam inscritos na dívida ativa. A procuradora-geral defende que deve ser mantido o prazo atual de 90 dias para casos gerais; de 120 dias para contribuintes que participarem de programas de conformidade; e de 60 dias para aqueles que sofrerem investigação fiscal ou tiverem mau histórico de pagamento.
“O principal critério de eficiência em qualquer cobrança é o tempo. No dia 1º já começa o risco da inadimplência e, a cada dia, esse risco aumenta. Então, quanto mais rapidamente você traz o contribuinte para o controle de legalidade e realiza a execução forçada, a chance de recuperação daquele crédito é maior”, afirma.
Fonte: JOTA