O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará pela primeira vez se a cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS (Difal) em compras realizadas por empresas em outro estado é válida. O tema é relevante para o varejo e a indústria, que adquirem bens para uso e consumo ou para ativo imobilizado, como insumos e maquinário.
A 1ª Seção do tribunal vai analisar a questão em recurso repetitivo, o que terá efeito vinculante em todo o Judiciário. Os casos selecionados envolvem a Sendas Distribuidora S.A. (Assaí) uma multinacional do setor de alumínio. Até o momento, o STJ proferiu cerca de 400 decisões monocráticas sobre o tema, segundo informações do Ministério Público Federal (MPF).
Difal e o contexto legal
O Diferencial de Alíquotas do ICMS foi criado para equilibrar a arrecadação entre estados quando mercadorias são vendidas de um estado para consumidores finais em outro. Até 2022, a cobrança do Difal em operações entre empresas era alvo de controvérsia jurídica, principalmente sobre a necessidade de lei complementar para autorizar a incidência.
Para os contribuintes, a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) não previa explicitamente a cobrança do Difal nessas operações. A incidência só passou a estar expressa em lei com a edição da Lei Complementar nº 190, em 2022. Estados, por outro lado, defendem que a cobrança já era válida desde a Lei Kandir.
STF desloca competência para o STJ
A Corte nunca analisou o mérito da questão até outubro de 2024, pois o tema era considerado constitucional e, portanto, da competência do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o STF decidiu que a matéria é infraconstitucional, de competência do STJ (Tema 1331).
A disputa jurídica se concentra na necessidade ou não de lei complementar específica para validar a incidência do Difal em operações interestaduais entre empresas. O entendimento do STF para pessoas físicas, que não são contribuintes do ICMS, serviu de base para que empresas buscassem replicar o argumento no STJ.
Impacto para empresas e contabilidade
Se o STJ reconhecer que a cobrança do Difal em operações entre empresas era indevida antes de 2022, os contribuintes poderão recuperar valores pagos nos cinco anos anteriores ao ajuizamento das ações. O tema tem relevância para milhares de empresas, principalmente no setor de varejo e indústria, afetando o planejamento tributário e o fluxo de caixa.
O tributarista Leonardo Andrade, que atua na defesa do Assaí no STJ, estima que cerca de 200 ações sobre o tema envolvam impacto total de aproximadamente R$ 2 bilhões. Segundo ele, a cobrança do Difal só foi permitida a partir de 2022, com base na Lei Complementar nº 190, que definiu fato gerador e base de cálculo do tributo.
Posicionamento dos estados e da PGDF
A Procuradoria-Geral da Fazenda Distrital (PGDF), parte nos casos do STJ, afirma que o tributo sempre teve respaldo constitucional e legal, desde a Lei Kandir. Segundo o órgão, a Emenda Constitucional nº 87/2015 tratou apenas das operações com consumidores finais não contribuintes, como pessoas físicas, onde o STF determinou a necessidade de lei complementar específica.
Para a PGDF, a aplicação da decisão do STF às empresas seria equivocada, e o STJ deve reafirmar a possibilidade de cobrança do Difal para preservar o equilíbrio federativo e os recursos necessários à manutenção de políticas públicas essenciais.
Precedentes do STF e jurisprudência
O tema ganhou força com precedentes do STF, como no RE 580903, em que o ministro Luís Roberto Barroso reconheceu que a Constituição permite a cobrança do Difal em favor do estado de destino nas operações interestaduais, mas destacou que, para empresas, a incidência depende de regulamentação específica, o que só ocorreu com a Lei Complementar nº 190/2022.
Gustavo Vita Pedrosa, advogado do SDH Advogados, lembra que o Protocolo nº 21/2011 do Confaz tratou do Difal para consumidores finais não contribuintes e que o entendimento do STF reforçou a necessidade de lei complementar para essas operações. Empresas tentam replicar esse argumento para justificar a restituição de valores pagos indevidamente.
Divergência entre contribuintes e estados
Tributaristas divergem sobre a interpretação da Lei Kandir. Leandro Genaro, do Santos Neto Advogados, afirma que a lei já possibilitava a cobrança do Difal para empresas, considerando que estas possuem inscrição estadual e estão sujeitas aos procedimentos de recolhimento.
Por outro lado, Douglas Guilherme Filho, do Diamantino Advogados Associados, defende o princípio da legalidade e entende que, sem norma específica anterior à Lei Complementar nº 190, a cobrança não poderia ocorrer.
Relevância econômica e contábil
A decisão do STJ terá impacto direto sobre empresas e profissionais de contabilidade. Contadores precisarão revisar cálculos tributários, ajustes em escrituração fiscal e planejamento tributário para refletir o posicionamento final da Corte.
Além disso, a tese vinculante reduzirá divergências entre tribunais estaduais, garantindo uniformidade na aplicação do Difal e previsibilidade para o setor privado. O resultado pode gerar restituição de tributos pagos indevidamente ou confirmar a legitimidade da cobrança, afetando o fluxo de caixa das empresas.
O julgamento do STJ sobre o ICMS-Difal em operações interestaduais entre empresas representa um marco para a contabilidade e o direito tributário. A decisão definirá se contribuintes podem recuperar valores pagos antes de 2022 ou se a cobrança do tributo sempre foi válida.
Profissionais de contabilidade devem acompanhar de perto o recurso repetitivo, pois os efeitos se estendem à apuração de tributos, planejamento fiscal e conformidade legal das empresas, impactando diretamente a gestão tributária em todo o país.
Com informações do Valor Econômico