O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu, por unanimidade, afastar a cobrança de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre valores de juros subsidiados em financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O caso analisado envolveu auto de infração de R$ 167 milhões contra a montadora Stellantis, controladora das marcas Citroën, Fiat, Jeep, Peugeot e RAM. Para os conselheiros, o BNDES integra a administração pública indireta federal e os financiamentos com juros subsidiados devem ser classificados como subvenções para investimento.
A decisão pode abrir precedente para empresas que utilizam linhas de crédito não apenas do BNDES, mas também de outros bancos públicos, como Banco do Brasil, Banco do Nordeste e bancos estaduais de desenvolvimento.
Por que a Receita Federal autuou a empresa?
A Receita Federal havia autuado a Stellantis com base no artigo 198 da Instrução Normativa nº 1.700/2017, que considera que subsídios concedidos por pessoas jurídicas de direito privado não podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Na primeira instância, a Delegacia de Julgamento (DRJ) confirmou o entendimento do Fisco e negou a exclusão. Segundo a DRJ, ainda que o BNDES seja empresa pública, constituída por capital da União, não seria possível considerar seus financiamentos como subvenções governamentais.
A empresa recorreu e conseguiu reverter a decisão no Carf, que entendeu que a lei prevalece sobre a instrução normativa.
O que diz a Lei nº 12.973/2014
O artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 prevê a possibilidade de exclusão de subvenções para investimento da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que os valores sejam registrados em reserva de lucros.
Para a Stellantis, o termo “poder público” incluído na lei deve abranger não apenas a administração direta, mas também entidades da administração indireta, como o BNDES. O argumento foi aceito pelo Carf.
Segundo o relator do caso, conselheiro André Luis Ulrich Pinto, a lei não distingue pessoas jurídicas de direito público ou privado, e a restrição foi criada apenas pela IN 1.700/2017. Ele destacou que o BNDES, embora constituído como empresa pública, integra a administração indireta e está sujeito ao controle de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU).
Impacto para outras empresas
Tributaristas consideram a decisão um marco, já que empresas que utilizam linhas de crédito subsidiadas podem agora excluir esses valores da apuração do IRPJ e da CSLL.
Segundo Sergio Presta, ex-conselheiro do Carf e sócio do escritório Azevedo Rios e Presta Advogados, a decisão consolida que “empréstimos subsidiados pelo BNDES devem ser tratados como subvenções de investimento”.
Ele afirma que o acórdão pode ser aplicado também a bancos estaduais de fomento e programas como os da Sudam e Sudene. “Isso gera segurança jurídica para empresas com operações no Norte e Nordeste, que dependem de incentivos para viabilizar projetos”, explica.
Tributaristas já orientam clientes a revisitar balanços anteriores e avaliar a exclusão dos valores, transformando-os em créditos contábeis.
Críticas à interpretação da Receita Federal
A advogada Gisele Barra Bossa, sócia do Demarest e ex-conselheira do Carf, considera que a Receita Federal extrapolou sua competência ao interpretar que apenas subvenções de entes de direito público poderiam ser excluídas.
“Quando a IN nº 1.700/2017 trata o BNDES como pessoa jurídica de direito privado e impede a exclusão, está indo além do que a lei prevê”, explica.
Ela lembra que o artigo 37 da Constituição Federal e o Decreto-Lei nº 200/1967 reconhecem empresas públicas como parte da administração indireta. “A exclusão deve valer também para entidades de direito privado que desempenham funções públicas, como o BNDES e o Banco do Brasil”, completa.
Efeito prático e próximos passos
Até o momento, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não recorreu da decisão, o que fortalece o entendimento favorável ao contribuinte.
Para as empresas, o julgamento reforça a possibilidade de reclassificação contábil de financiamentos obtidos com bancos públicos e pode reduzir significativamente a carga tributária sobre o lucro.
Especialistas recomendam que os contribuintes conversem com seus auditores e consultores para avaliar os impactos. “É um precedente importante que pode ser replicado em várias operações de crédito. Mas cada caso precisa ser analisado individualmente para garantir conformidade”, destaca Presta.
A decisão inédita do Carf sobre os juros subsidiados do BNDES inaugura uma nova interpretação sobre subvenções para investimento. Se confirmada em casos futuros, pode beneficiar empresas de diversos setores e reforçar a segurança jurídica no uso de linhas de crédito públicas.
No entanto, advogados alertam que a Receita Federal pode adotar postura restritiva em novos autos de infração, exigindo atenção dos contribuintes e acompanhamento de especialistas.
Empresas que utilizam financiamentos do BNDES, Banco do Brasil ou bancos de desenvolvimento devem avaliar seus balanços e discutir com suas auditorias a possibilidade de exclusão desses valores da base de cálculo do IRPJ e CSLL, prevenindo autuações e aproveitando potenciais créditos tributários.
Com informações do Valor Econômico