A fase de testes da reforma tributária do consumo, conduzida pela Receita Federal e pelo Serpro, já está em andamento e promete transformar o cenário tributário brasileiro. Ainda restrita a 50 empresas, a iniciativa antecipa o que será exigido de todas as companhias a partir de 2026, com impactos diretos na gestão de dados fiscais, tecnologia e governança.
O ambiente de testes, chamado de Ambiente de Produção Restrita, não envolve ainda o pagamento real de tributos, mas já serve como laboratório para ajustes e aprendizados que vão moldar o futuro do compliance no país.
No centro dessa transformação está a chamada Apuração Assistida, um sistema em nuvem que recebe as informações das empresas e calcula, de forma preliminar, os débitos e créditos tributários. O objetivo é simplificar processos, eliminar retrabalhos e reduzir o uso de planilhas paralelas, aproximando o Brasil do conceito de Administração Tributária 3.0, já adotado em países desenvolvidos.
O contribuinte passa a informar suas operações diretamente no sistema, utilizando códigos específicos, e recebe rapidamente o resultado da apuração. Isso exige atenção redobrada na parametrização dos sistemas internos, já que qualquer erro pode comprometer toda a cadeia de créditos fiscais.
Outro destaque é a Calculadora Fiscal, ferramenta que interpreta a legislação conforme o entendimento da Receita Federal. Aqui, podem surgir divergências entre o cálculo oficial e o entendimento das empresas, especialmente sobre o tratamento tributário dado às operações e direito a créditos.
A calculadora, mais do que um instrumento de conferência, se torna um verdadeiro termômetro de risco: quanto maior a diferença entre o que a empresa entende e o que o fisco calcula, maior a chance de questionamentos futuros. Por isso, é fundamental revisar classificações fiscais e documentar posições jurídicas divergentes, além de acompanhar de perto as atualizações do sistema.
O ambiente de produção restrita, apesar de não permitir o pagamento efetivo dos tributos – as guias são geradas sem código de barras –, não é uma simulação qualquer. Os dados inseridos pelas empresas servirão de base para que a Receita ajuste regras e fluxos, tornando o sistema mais robusto. Mesmo quem não faz parte do grupo inicial pode (e deve) acompanhar as discussões públicas promovidas pela Receita, aproveitando para aprender com os erros e acertos dos pioneiros e se preparar para as futuras exigências.
A integração dos sistemas internos das empresas com o ambiente da Receita é outro ponto de atenção. Hoje, o preenchimento é manual, mas a expectativa é que, a partir de 2026, a transferência de dados seja automatizada via API, diretamente dos ERPs e validadores de nota fiscal eletrônica.
Essa integração, porém, depende de definições do Comitê Gestor do IBS, já que as Secretarias de Fazenda estaduais controlam parte do processo. Empresas que anteciparem o mapeamento de falhas em seus sistemas sairão na frente, evitando correrias e custos elevados de última hora.
Por enquanto, o foco está na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributo federal, mas o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que envolve estados e municípios, deve seguir o mesmo caminho assim que o Comitê Gestor estiver definido. O histórico brasileiro mostra que a integração entre diferentes entes federados costuma ser lenta, o que reforça a importância de acompanhar de perto cada etapa e manter flexibilidade nos investimentos em tecnologia.
Outro desafio relevante é o cashback para famílias do CadÚnico. A legislação prevê a devolução parcial do imposto para cerca de 70 milhões de brasileiros, inicialmente nas contas de serviços públicos, por desconto na nota fiscal e, depois, em dinheiro, de forma trimestral para outras compras.
Para aquelas transações em que o ressarcimento será feito em dinheiro, e não diretamente na nota fiscal, exige-se que sistemas de varejo estejam preparados para capturar o CPF do beneficiário e garantir que o crédito chegue ao consumidor. Falhas nesse processo podem prejudicar a reputação das empresas e gerar ajustes nos fluxos financeiros.
Diante desse cenário, o momento é de ação. Mapear processos críticos, revisar contratos com fornecedores de tecnologia, criar grupos de trabalho multidisciplinares e investir em capacitação são medidas essenciais para garantir uma transição tranquila. O período de testes da reforma tributária é, na prática, o início de uma nova era para o compliance fiscal brasileiro. Quem enxergar essa fase como oportunidade de antecipar ajustes e influenciar padrões terá vantagem competitiva quando as novas regras entrarem em vigor para todos.
Fonte: João Colussi e Waleska Lemos Morais, sócios do escritório Mattos Filho, para o JOTA