O sistema tributário brasileiro enfrenta um momento de transição com a promulgação da EC 132/2023, que instituiu o IVA dual (IBS e CBS) e consolidou princípios como neutralidade, simplicidade e cooperação entre entes federativos. Enquanto a reforma não entra plenamente em vigor, o ICMS mantém litígios intensos, especialmente sobre a possibilidade de utilizar créditos de ICMS acumulados pela não cumulatividade para quitar o diferencial de alíquota (Difal). A controvérsia envolve a lógica constitucional da não cumulatividade e a prática de diversos estados, que exigem pagamento em dinheiro sem permitir compensação.
O artigo 155, §2º, I, da Constituição garante que o ICMS seja compensado: “será compensado o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. O STF reafirma que a não cumulatividade é um princípio constitucional de proteção ao contribuinte (RE 212.209/SP; RE 593.849/MG).
No caso do Difal, instituído pela EC 87/2015 e regulamentado pela LC 190/2022, surge a questão: se o diferencial é apenas ajuste de alíquotas entre estados, não há motivo lógico ou constitucional para impedir a compensação com créditos acumulados.
Conflito com os princípios da EC 132/23
A EC 132/2023 trouxe ao sistema tributário novos princípios: neutralidade, simplicidade e cooperação.
- Neutralidade: evita que tributos distorçam a competitividade entre contribuintes ou estados. Impedir o uso de créditos cria ônus artificial sobre empresas com acúmulo de créditos, especialmente exportadores e setores industriais.
- Simplicidade: o modelo atual do Difal é complexo, com guias distintas e regras heterogêneas. Permitir compensação reduziria burocracia e litígios, simplificando o compliance.
- Cooperação: o IVA dual depende da colaboração entre União, estados e municípios. A vedação da compensação a profunda desconfiança federativa, favorecendo estados de destino e prejudicando estados de origem.
Do ponto de vista contábil, a limitação de créditos aumenta custos operacionais e exige atenção redobrada no planejamento tributário. Contadores precisam acompanhar decisões judiciais e interpretações estaduais para orientar clientes sobre possíveis riscos e estratégias de compensação.
Jurisprudência e cenário atual
Decisões de tribunais estaduais divergem: alguns reconhecem o direito de compensação, outros exigem pagamento do Difal em dinheiro mesmo com créditos acumulados. A restrição favorece o fisco e desestimula investimentos.
O STJ ainda não firmou tese vinculante. O STF, em precedentes sobre não cumulatividade em exportações e energia elétrica, sinaliza que interpretações restritivas aos créditos violam a Constituição, abrindo espaço para decisão futura sobre o Difal no contexto do novo IVA dual.
Impactos econômicos e federativos
Negar compensação é inconstitucional e ineficiente. Obriga empresas a manter créditos inutilizados enquanto pagam Difal em dinheiro, afetando fluxo de caixa, gerando insegurança jurídica e desestimulando investimentos.
Do ponto de vista federativo, aumenta desigualdades entre estados produtores e consumidores, contrariando a cooperação prevista na EC 132/23.
A discussão sobre o uso de créditos de ICMS para quitar o Difal é um teste de coerência do sistema tributário. A vedação viola não cumulatividade, quebra neutralidade, aumenta complexidade e a profunda desconfiança federativa.
Admitir a compensação alinha o ICMS de transição aos valores da EC 132/23, antecipando a racionalidade esperada do IVA dual. O Judiciário terá de escolher entre manter um modelo litigioso e fragmentado ou avançar para um sistema neutro, simples e cooperativo, conforme previsto na Constituição reformada.
Com informações adaptadas contadores.cnt.br