O Conselho Nacional da Advocacia Pública Fiscal (Conap), que reúne representantes das procuradorias das Fazendas nacional, estaduais, distrital e municipais, apresentou notas técnicas ao relator do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024, senador Eduardo Braga (MDB-AM). O texto trata da segunda fase da regulamentação da reforma tributária.
Pedido de restabelecimento do Fórum de Harmonização
O Conap defende que seja restabelecida a atribuição do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias para uniformizar interpretações jurídicas, inclusive para fins de dispensa de atuação perante o Poder Judiciário. Pela versão atual do projeto, essa competência ficaria com o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias (Chat), que não conta com a participação de procuradores.
A presidente do Conap e procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Lenzi Ruas de Almeida, afirmou: “Você não pode tirar da advocacia pública a competência para interpretar a legislação”. Ela destacou que, se o texto for mantido, a alternativa será solicitar o veto desse ponto ou recorrer ao Judiciário, alegando violação da competência constitucional das procuradorias.
Segundo Anelize, isso significaria que apenas após a judicialização em massa é que as procuradorias poderiam se manifestar “Só depois de chegarem milhares de processos ao Judiciário, a procuradoria poderá se manifestar”, disse.
Divergências entre Fiscos e procuradorias
O Conap alertou que, na prática, receitas e procuradorias poderiam divergir sobre a necessidade de recorrer em determinados casos, já que o entendimento de um órgão não vincula o outro. Para parte dos procuradores, essa alteração representa risco de esvaziamento de funções da advocacia pública.
A nota técnica reforça que o Chat tem caráter administrativo e fiscal, vinculando apenas a atuação dos Fiscos — como Receita Federal e secretarias de Fazenda estaduais e municipais. Já as procuradorias exercem funções em outras etapas, como o controle de legalidade do crédito tributário, consultoria, contencioso administrativo e atuação judicial.
Alteração aprovada pela Câmara
O texto aprovado na Câmara dos Deputados excluiu a oitiva obrigatória do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias, sob a justificativa de que as deliberações do Chat vinculam apenas as administrações tributárias. Para o Conap, contudo, a participação das procuradorias é “indispensável para prevenção e pacificação de litígios entre contribuinte e Fisco”.
Prazo de inscrição em dívida ativa
Outra nota técnica apresentada critica o prazo de até 12 meses para inscrição de débitos na dívida ativa do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O Conap afirma que a proposta traz problemas conceituais e estruturais, compromete a segurança jurídica e viola princípios constitucionais.
O texto do relator permite que os entes federativos deleguem ao Comitê Gestor do IBS (CGIBS) a competência para inscrever débitos em dívida ativa, desde que observem o limite de 12 meses após a constituição definitiva do crédito tributário.
Segundo o Conap, essa delegação é inadequada porque o CGIBS, como órgão de gestão fiscal, não teria independência suficiente para validar a legalidade do crédito. A nota técnica alerta que o prazo estendido cria risco de fraudes, pois retardaria medidas de proteção como a presunção de fraude à execução, dificultando a recuperação dos valores devidos.
A presidente do Conap ressaltou ainda que o prazo previsto se distancia da recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que sugere 90 dias: “Os estudos mostram que quanto antes começa a cobrança maior o índice de recuperabilidade daquele crédito”.
Trâmite no Senado
As críticas foram encaminhadas enquanto o Senado avança na análise do PLP 108/2024. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o projeto na última quarta-feira (17/9), com substitutivo apresentado pelo relator. A matéria segue agora para votação em Plenário, em regime de urgência.
Resposta do relator
Em nota ao jornal Valor Econômico, a assessoria técnica do senador Eduardo Braga afirmou que o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias terá competência para atuar como órgão consultivo do Chat na uniformização da interpretação das normas do IBS e da CBS, além de analisar controvérsias relevantes.
Segundo a assessoria, as resoluções do Fórum irão vincular a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e as procuradorias estaduais, distrital e municipais, assegurando sua função de harmonização. A mudança, de acordo com a nota, apenas retirou a obrigatoriedade de consulta prévia ao Fórum antes das deliberações do Chat, que mantém competência normativa.
Sobre o prazo de 12 meses para inscrição em dívida ativa, a assessoria destacou que a regra já estava no texto enviado pela Câmara e reflete a realidade operacional de diversos entes, sobretudo municípios menores. Conforme a nota, muitos desses municípios atualmente praticam prazos ainda mais longos.
Com informações do Valor Econômico