O Banco Central (BC) deve publicar até o fim deste mês a regulamentação do PIX Parcelado, modalidade já oferecida de forma independente por bancos e fintechs. A medida busca padronizar o serviço, aumentar a transparência e estimular o uso consciente desse tipo de crédito.
Segundo o BC, a funcionalidade permitirá ampliar o uso do PIX em compras de maior valor no comércio, já que o lojista receberá o pagamento integral à vista, enquanto o consumidor poderá parcelar a despesa. O recurso pode atingir até 60 milhões de brasileiros sem acesso ao cartão de crédito, mas, diferentemente do PIX tradicional, será restrito a pessoas já bancarizadas e com linhas de crédito pré-aprovadas.
Funcionamento do PIX Parcelado
De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o PIX Parcelado será utilizado por quem já possui crédito disponível junto às instituições financeiras. “Essa pessoa já tem uma linha de crédito disponível para ele, e vai poder utilizar essa linha e parcelar os pagamentos utilizando o PIX”, explicou Walter Faria, diretor-adjunto de Serviços e Segurança da entidade.
Para aprovação, os bancos avaliarão critérios como score de crédito, histórico de pagamentos, tempo de relacionamento com a instituição e renda.
Desde o lançamento do PIX, cerca de 70 milhões de pessoas passaram a usar serviços financeiros. No segundo trimestre de 2025, o BC registrou 19,3 bilhões de pagamentos via PIX, número 53,5% superior às transações com cartões (12,6 bilhões) e 335% acima dos boletos, convênios e débitos diretos (4,4 bilhões).
Riscos apontados por entidades
Apesar da expansão do PIX, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) manifestou preocupação com a nova modalidade. Em nota, a entidade afirmou que o parcelamento se caracteriza como crédito com juros e contratos pouco claros, o que pode comprometer a confiança dos usuários no sistema.
“O PIX nasceu como uma política pública de democratização dos pagamentos. Transformá-lo em um canal de crédito pouco regulado é colocar em risco essa conquista”, alertou o Idec.
O receio é de que consumidores confundam a operação com uma simples transferência parcelada, quando na prática estarão contratando um empréstimo.
Custos da operação
Embora o PIX em si continue gratuito, o parcelamento é considerado uma operação de crédito. Assim, os bancos poderão cobrar juros, tarifas e impostos, como o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Segundo Marcelo Sá, diretor de Negócios do Braza Bank, o custo deve ser detalhado na regulação. Ele afirmou que os bancos precisam ser remunerados pelo risco assumido, seja por meio de uma taxa fixa por transação ou pelo repasse direto de juros ao consumidor.
“Com taxas na casa dos 2% ao mês, por se tratar de uma operação financeira, o PIX Parcelado pode tornar a compra mais cara. Ainda tem a cobrança do IOF — o que não ocorre nos parcelamentos com o cartão”, destacou.
A Febraban reforça que cada instituição definirá suas próprias condições, mas é obrigatório informar o Custo Efetivo Total (CET), que reúne todas as despesas envolvidas no crédito.
Perfil dos usuários
Segundo a economista Carla Beni, professora da FGV e conselheira do Corecon-SP, três grupos devem ser os principais usuários:
- Consumidores sem cartão de crédito, que usarão o PIX Parcelado para compras de maior valor, como eletroeletrônicos, em modelo semelhante aos carnês;
- Titulares de cartão de crédito, que poderão comparar taxas entre modalidades ou usar o PIX como entrada em pagamentos à vista;
- Consumidores com limite esgotado no cartão, que buscarão o PIX como linha de crédito extra.
A economista alerta que, assim como o cartão de crédito, o PIX Parcelado pode aumentar o risco de inadimplência. “O cartão de crédito está entre os principais itens da inadimplência à pessoa física. Será importante ver como o PIX Parcelado se encaixará nesse cenário, ainda mais para as rendas mais baixas, que o parcelamento virou uma espiral viciante”, afirmou.
Inadimplência em alta
O relatório de crédito do Ministério da Fazenda, com dados do BC, indica que o rotativo do cartão de crédito responde por 60,5% da inadimplência de pessoas físicas em julho de 2025. O aumento das dívidas tem atingido principalmente famílias de baixa renda, que enfrentam mais dificuldades para acessar crédito com condições vantajosas.
Para o Idec, o risco é de que a nova modalidade amplie esse cenário. “O que se apresenta como ‘acesso ampliado ao crédito’ pode, na prática, significar armadilhas financeiras e aprofundamento da desigualdade”, avaliou a entidade.
Recomendações do Idec
Caso o Banco Central mantenha o projeto, o Idec sugere medidas de proteção ao consumidor, como:
- Evitar o uso da marca PIX, criando identidade própria para o serviço;
- Adotar regras claras de crédito, com contratos transparentes;
- Implementar limites proporcionais ao risco de endividamento;
- Permitir ativação apenas por iniciativa do usuário;
- Realizar consulta pública ampla, priorizando a proteção do consumidor.
O BC foi procurado para comentar sobre os detalhes da regulação do PIX Parcelado, mas não concedeu entrevista.
Com informações do g1