A Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 98, em nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de validar a inclusão de tributos na base de cálculo do PIS e da Cofins. A medida surpreendeu contribuintes e especialistas, pois pode afetar três teses tributárias que somam impacto fiscal bilionário.
Três temas em análise
A petição inicial, distribuída à relatoria da ministra Cármen Lúcia, abrange três temas já reconhecidos com repercussão geral no STF:
- Tema 118: inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e Cofins;
- Tema 843: inclusão do crédito presumido de ICMS decorrente de incentivos fiscais;
- Tema 1067: inclusão do PIS e da Cofins em suas próprias bases de cálculo.
Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, o impacto financeiro estimado é de R$ 35,4 bilhões para o Tema 118, R$ 16,5 bilhões no Tema 843 e R$ 65,7 bilhões no Tema 1067.
Situação atual dos julgamentos
No Tema 118, a maioria já se formou a favor dos contribuintes: quatro votos contra dois. Três desses votos, entretanto, foram proferidos por ministros aposentados — Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber — e ainda não houve manifestação dos ministros Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
No Tema 843, o julgamento começou em março de 2021 no plenário virtual do STF, com maioria favorável aos contribuintes. Porém, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, transferindo o caso para sessão presencial e zerando o placar. Ainda não há previsão de retomada.
Já o Tema 1067, de maior impacto, permanece sem discussão, apesar de a repercussão geral ter sido reconhecida em 2019.
Argumentos da União
Na ADC 98, o governo pede que o STF declare a constitucionalidade dos artigos 1º da Lei nº 10.637/2002, 1º da Lei nº 10.833/2003 e 2º da Lei nº 9.718/1998, que determinam a incidência do PIS e da Cofins sobre o total das receitas mensais das empresas, em regime cumulativo ou não cumulativo.
A AGU afirmou, em nota ao jornal Valor Econômico, que a decisão definitiva do Supremo permitirá “pacificar o ambiente de negócios” e dar “fim às discussões sobre o tema”.
A petição ressalta ainda que a nova ação não trata da inclusão do ICMS na base de cálculo, tema já decidido pelo STF em 2023 e incorporado à legislação por meio da Lei nº 14.592.
Críticas de tributaristas
Especialistas afirmam que a medida busca reabrir debates já encaminhados em favor dos contribuintes.Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, disse que a estratégia representa insegurança jurídica: “Além de ser um desrespeito para com o Supremo, é um ato que propala insegurança jurídica. Já passa de hora de se respeitar os precedentes judiciais.”Ele lembrou que a mesma manobra foi utilizada pela AGU na chamada “tese do século”, quando foi ajuizada a ADC 18, travando os julgamentos de recursos por cerca de oito anos.Marcus Lívio, do Salomão Advogados, avaliou que o governo busca alterar o campo da discussão: “Não se trata de discutir a tese em si, é uma estratégia para tirar a discussão do âmbito do repetitivo para analisar a legislação pelo ângulo constitucional.”Marco Behrndt, sócio do Machado Meyer, destacou que o conceito de receita já está definido na Constituição, e não nas leis citadas: “Quando julgou o Tema 69 [tese do século], o Supremo já disse que estava definindo o conceito de receita e faturamento ‘à luz da Constituição’.”Rafael Nichele, do escritório Rafael Nichele Advogados Associados, afirmou que o argumento orçamentário não pode se sobrepor ao jurídico: “Esse tipo de argumentação já foi usado no julgamento do Tema 69 (...). E esse argumento está sendo trazido para tentar reabrir o que o STF já decidiu.”
Defesa da AGU
Em nota, a AGU argumentou que o protocolo da ADC segue as regras do sistema judicial brasileiro:
“Submeter tema de tamanha relevância para o tribunal, a fim de que possa decidir de forma conjunta e uniforme, é postura legítima, que respeita as regras vigentes, a dinâmica de julgamentos da Corte e o sistema de precedentes judiciais.”
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, também em nota, que a condução do caso está sob responsabilidade da AGU.
O julgamento da ADC 98 no Supremo Tribunal Federal pode ter impacto direto sobre a forma de cálculo do PIS e da Cofins, afetando contribuintes e a arrecadação federal em valores que ultrapassam R$ 117 bilhões. A decisão da Corte poderá definir se prevalece a estratégia da União de consolidar a inclusão de tributos na base de cálculo ou se se mantém a linha jurisprudencial favorável às empresas.
Com informações do Valor Econômico