O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter a Resolução nº 547/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autorizou a extinção de execuções fiscais de baixo valor — até R$ 10 mil. No Plenário Virtual, a decisão foi unânime para reconhecer a repercussão geral do tema e, por maioria, os ministros reafirmaram jurisprudência já consolidada. Apenas o ministro Dias Toffoli divergiu neste ponto.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, destacou em seu voto que 13 milhões de ações de cobrança foram extintas entre outubro de 2023 e julho de 2025. Dados do sistema Justiça em Números apontam a baixa de 11,3 milhões de processos entre março e julho de 2024, após a edição da norma.
Contestação dos municípios
Municípios têm questionado a medida, alegando perda de arrecadação, principalmente do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Um estudo da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), com 18 capitais, mostra que a arrecadação via dívida ativa caiu R$ 230 milhões no primeiro semestre de 2025, em comparação ao mesmo período de 2024.
As quedas variaram de 2,71% em Recife (PE) a 71,7% em Salvador (BA). Apenas Manaus (AM) e Florianópolis (SC) registraram alta, de 24,97% e 4,98%, respectivamente.
Gargalo no Judiciário
As execuções fiscais representam historicamente um dos maiores problemas de congestionamento da Justiça. Já corresponderam a um terço das ações no país e, atualmente, somam 23,2% dos 76,6 milhões de processos em tramitação.
Após a adoção da política do CNJ, a taxa de congestionamento caiu de 86,93% em janeiro de 2024 para 67,42% em julho de 2025. Apesar da melhora, o índice ainda é elevado: apenas três em cada dez execuções fiscais foram resolvidas no período.
O STF já havia decidido em 2023, no Tema 1184 (RE 1355208), que não é razoável cobrar determinados créditos tributários de pequeno valor pelo Judiciário, devido ao custo da administração pública. A alternativa indicada foi o uso de meios extrajudiciais, como protestos e câmaras de conciliação.
Resolução do CNJ
A Resolução nº 547/2024 estabeleceu parâmetros objetivos para extinção das cobranças de baixo valor. Permitiu o arquivamento de execuções de até R$ 10 mil sem movimentação há mais de um ano e sem citação do devedor ou bens penhoráveis.
Em diversos estados, os processos vêm sendo extintos em massa, por meio de listas elaboradas em acordos de cooperação técnica entre o CNJ e os Tribunais de Justiça.
Caso de Osório (RS)
O município de Osório (RS) questionou no STF decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que extinguiu cobrança de R$ 5 mil de IPTU e Taxa de Coleta de Lixo referentes a 2020-2023.
A prefeitura alegou que buscou outras formas de cobrança sem êxito e sustentou que a resolução invade competências administrativas e tributárias municipais.
Posição do relator
Em seu voto, o ministro Barroso destacou que o CNJ pode regulamentar medidas voltadas à gestão do Judiciário:
“As providências da Resolução CNJ nº 547/2024 não usurpam nem interferem na competência tributária dos entes federativos e devem ser observadas para o processamento e a extinção de execuções fiscais com base no princípio constitucional da eficiência.”
Ele determinou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analise, em cada caso, se os requisitos da resolução foram atendidos:
“É infraconstitucional e fática a controvérsia sobre o atendimento das exigências da Resolução CNJ nº 547/2024 para extinção da execução fiscal por falta de interesse de agir.”
Críticas de especialistas e gestores municipais
O procurador do Rio de Janeiro e assessor jurídico da Abrasf, Ricardo Almeida, avalia que a política não tem gerado os resultados esperados:
“Existe uma ideia de que está tudo maravilhoso, porque está descongestionando o Judiciário. Mas a estatística não está melhorando a performance dos tribunais nem das execuções fiscais.”
Segundo ele, a resolução criou uma percepção equivocada entre contribuintes:
“Difundiu-se uma mentalidade de que se não pagar o IPTU, não se perde mais o imóvel. Então o devedor prefere pagar uma dívida bancária ao imposto.”
Já em São Paulo, o impacto foi nulo. O secretário municipal da Fazenda, Luis Felipe Vidal Arellano, explicou que desde 2008 a prefeitura só ajuíza execuções fiscais acima de R$ 15 mil:
“Como somos uma cidade muito grande, com contribuintes enormes, já há muito tempo a gente tem a estratégia de focalizar nossos esforços na cobrança das dívidas de maior valor.”
Arellano, que também integra a Abrasf, alertou para riscos da padronização nacional:
“O CNJ ter colocado a régua igual para todo mundo produziria um risco moral para os contribuintes que se veem na oportunidade de não pagar seus tributos sem consequência.”
Avaliação da advocacia
A tributarista, sócia do Sanmahe Advogados, Maria Andréia dos Santos, afirmou que a cobrança judicial de valores baixos pode ser antieconômica, mas destacou as diferentes realidades de cada ente federativo:
“A cobrança de débitos em valores reduzidos no Poder Judiciário pode ser antieconômica. Mas a verdade é que, apesar disso, as realidades da União Federal, dos Estados e dos municípios podem ser muito diferentes.”
Para ela, o posicionamento do Supremo representa avanço:
“Essa decisão poderá reduzir o acervo de processos pendentes de julgamento no Judiciário e gerar uma redução no tempo que as partes esperam pelos julgamentos, colaborando para tornar a Justiça mais rápida e eficaz.”
Próximos passos
O procurador-geral do município de Osório, Vinicius Fisch, informou ao Valor Econômico que não poderia comentar sobre eventual recurso, pois a decisão ainda não foi publicada.
Com a manutenção da norma pelo STF, caberá ao STJ analisar a aplicação da Resolução nº 547/2024 em casos concretos, observando as particularidades de cada município.
Com informações do Valor Econômico