O Governo Federal ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 98, que busca confirmar a constitucionalidade da inclusão de “despesas incorridas, inclusive as tributárias” na base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O processo coloca em debate a definição de receita bruta e pode gerar efeitos relevantes para empresas de todos os setores.
As contribuições ao PIS e à Cofins têm como finalidade financiar a seguridade social e incidem sobre a receita bruta ou o faturamento das companhias, com alíquotas que variam conforme o regime tributário adotado. Atualmente, diversos contribuintes questionam na Justiça quais valores podem ou não ser considerados receita para efeito da cobrança dessas contribuições.
De acordo com Gabriel Caldiron Rezende, sócio da área de impostos indiretos do escritório Machado Associados Advogados e Consultores, o precedente do Tema 69 impulsionou uma série de novas discussões judiciais.
“Após o julgamento do Tema 69, houve uma proliferação de teses filhotes, até para outros tributos como o ICMS e o imposto de renda no lucro presumido”, afirmou o tributarista.
No entanto, segundo ele, o ritmo de análise dessas novas ações pelo STF tem sido lento, e alguns ministros chegaram a apresentar posicionamentos divergentes do entendimento firmado no Tema 69.
“Infelizmente, após o julgamento do Tema 69, o STF tem demorado para analisar as teses filhotes, além de alguns ministros apresentarem entendimento conflitante com o Tema 69. Concorde ou não, o Tema 69 foi uma decisão do STF e seus fundamentos são idênticos ao caso do ISS na base das contribuições, por exemplo”, destacou Rezende.
Amplitude da ADC e riscos apontados
Para Rezende, a ação ajuizada pela União, ao adotar um escopo considerado amplo, pode comprometer o debate jurídico.
“Na minha avaliação, a ação da União, com o escopo tão amplo, não é saudável para qualquer debate”, afirmou.
Ele ressaltou ainda que cada discussão tributária apresenta particularidades que exigem análise específica. “Se o STF entende que cada tese filhote possui peculiaridades – vide o ICMS na base da CPRB, cujos fundamentos foram bem diferentes do Tema 69 –, não me parece adequado um julgamento genérico. Que cada tema seja devidamente analisado, até porque alguns possuem caráter infraconstitucional, como reconhecido pelo STF”, complementou.
Outro ponto de preocupação levantado por especialistas é a possível insegurança jurídica que poderia resultar de uma decisão favorável à União na ADC 98.
Danielle Chinellato, tributarista da Innocenti Advogados, destacou que a aceitação da tese pode desvirtuar o conceito constitucional de receita.
“Legitimará um aumento artificial da base de cálculo, com efeito cascata: tributo sobre tributo, encarecendo operações e corroendo margens de lucro. Para o fisco, significaria a manutenção de arrecadação prevista para os próximos anos”, avaliou.
Relação com a “Tese do Século”
Na análise de Chinellato, embora a ADC 98 não questione diretamente a decisão do STF no Tema 69, a lógica adotada pela União guarda semelhança com a tentativa de ampliar o conceito de faturamento.
“Sobre a chamada ‘Tese do Século’, o julgamento da ADC não deve gerar uma preocupação imediata, já que não questiona formalmente o que foi decidido no Tema 69”, ponderou.
No entanto, ela alerta para os riscos de retrocesso. “Contudo, sua lógica parte da mesma matriz: tentar enquadrar como faturamento valores que não compõem o caixa da empresa. Se o STF julgar favoravelmente essa ADC, abre-se margem para rediscussão do conceito constitucional de faturamento decidido pelo STF no Tema 69, reabrindo uma divergência já pacificada”, disse.
Impacto setorial caso a União vença
De acordo com Chinellato, todos os segmentos da economia poderiam ser afetados em caso de decisão favorável à União.
“O setor de serviços sofreria fortemente pela inclusão do ISS, que é sua principal despesa tributária. A indústria, o comércio e o agronegócio seriam prejudicados pela tributação de créditos presumidos – instrumentos centrais de incentivo e competitividade”, afirmou.
A especialista reforça que a medida poderia representar não apenas aumento de carga tributária, mas também perda de previsibilidade para as empresas.
A ADC 98 reacende o debate sobre a amplitude do conceito constitucional de receita e sua aplicação nas contribuições ao PIS e à Cofins. O resultado do julgamento no STF terá impacto direto não apenas sobre a arrecadação federal, mas também sobre a segurança jurídica e a previsibilidade tributária das empresas brasileiras.
Especialistas apontam que, embora o caso não questione formalmente o Tema 69, a decisão poderá influenciar a interpretação de teses tributárias semelhantes, com efeitos de grande alcance para os setores de serviços, indústria, comércio e agronegócio.
O desfecho da ação será decisivo para definir os rumos das disputas em torno das bases de cálculo das contribuições sociais e a forma como a Constituição será interpretada no que se refere ao conceito de receita.
Com informações do Migalhas